“Eu sei que não é tempo de ficar questionando as crises particulares. As tristezas da vida em família e, muito pior, de um casamento que se perdeu na rotina. Mas nem a crise política brasileira me tira essas bobagens da cabeça”, desabafou um amigo. Anos de convívio, ambos presos à monotonia de uma história que se repete da mesma forma todo dia. E começa a incomodar.
Permanecem juntos, sem alçar outros voos. Um evita machucar o outro. Semelhantes aos faisões, aves lindas, majestosas e que vivem uma união indissolúvel. São aves que podem ser criadas praticamente soltas pois nunca escapam porque um deles está sempre preso ao viveiro. Por solidariedade, aquele que teria tudo para a partida, permanece ali, ignorando o apelo da mãe natureza.
Quem sabe esse princípio não seja igualmente a base de muitos relacionamentos entre humanos? Um solto e o outro preso. A parte livre não abandona o cativeiro por uma questão de lealdade. Ambos na verdade, enjaulados. O mundo pode estar violento, doente, mas o que oferece mais riscos? A tortura dos que dividem a insatisfação? Sei lá, acomodaram-se e a partir daí um passa a ser refém da insatisfação alheia, embora a plumagem linda.
O casal sacode as penas coloridas das vaidades que, em outras palavras os confundem entre a liberdade e a prisão. Poderiam aproveitar esses dias difíceis, onde a materialidade do crime é exposta de maneira agressiva, para renovar os interiores da gaiola onde vivem. As relações a dois surpreendem por criarem armadilhas tipo as que confundem sossego com rotina.
Lhes assusta imaginar-se agarrados às grades finas dos viveiros, a implorar liberdade. Relações que aprisionam não resistem ao tempo. Os faisões estão juntos como proteção, nunca como em um cárcere. Casais que vivem de aparências, se tornam feias aves de asas quebradas. Um prende o outro por comodismo ou, quem sabe, maldade.
Esse meu amigo, está há mais de 30 anos neste relacionamento. Embora juntos, traçaram planos isolados que não protegeram a história que poderia ser linda. Um leque de penas de faisão para espantar o tédio. Nesses casos, uma última prova de afeto e respeito seria a libertação. Estar juntos para simplesmente dividir as despesas, transforma a vida a dois em um escritório de contabilidade. Mas é a parceria que alimenta o amor e faz tudo belo, mesmo em dias de crise. O que sobrevive é a essência e, raramente, o adorno das penugens coloridas.