O processo que trata da descriminalização do porte de maconha para consumo pessoal deve voltar a pauta na próxima quarta-feira, dia 16, no Supremo Tribunal Federal. O caso estava paralisado desde 2015 e voltou a pauta em junho. Cabe agora à presidente da Corte, ministra Rosa Weber, agendar a sequência da votação.
Até o momento, a Corte tem quatro votos para deixar de se considerar crime o porte de maconha para consumo próprio – de 25 a 60 gramas ou seis plantas fêmeas. Votaram nesse sentido os ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin e Roberto Barroso. Gilmar Mendes votou para descriminalizar o porte para consumo pessoa de forma ampla, sem especificar drogas.
O julgamento gira em torno da constitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas, 11343 de 2006. A norma estabelece que é crime adquirir, guardar ou transportar drogas para consumo pessoal.
O caso tem repercussão geral reconhecida, ou seja, o entendimento firmado pelo STF neste julgamento deverá balizar casos similares em todo o país. De acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), entre 30% e 50% das ações penais dos tribunais estaduais dos processos de tráfico relacionados à cannabis poderiam ser presumidos como porte para consumo pessoal – entre 25 e 100 gramas.
Além disso, segundo estudos do próprio supremo, o Brasil deixou de ser um corredor do tráfico, para ser um dos maiores consumidores de drogas, sendo o maior consumidor de maconha e o segundo maior consumidor de cocaína do mundo.
O assunto também repercute em âmbito local, especialmente entre pessoas preocupadas com a segurança social e saúde pública. É visto como mais uma brecha para o crime organizado fortalecer a comercialização e distribuição de narcóticos. Além de gerar sequelas na capacidade cognitiva, produtiva e de saúde pessoal das próximas gerações.
A atual legislação já é considerada branda e não tem impedido o surgimento de minicracolândias em cidades do interior do Brasil, além do aumento consumo de drogas sintéticas que entra pouco nas estatísticas policiais.
“LEGISLAÇÃO JÁ É BRANDA COM ACESSO FACILITADO A NARCÓTICOS” Delegado Juliano Stobbe
Para o delegado Juliano Stobbe da Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas (Draco) de Lajeado, a polêmica decisão vai impactar no trabalho da polícia. Segundo ele, a lei em vigor não implica em prisões, apenas em punições brandas. A mudança não vai mais gerar incidência de crime, o que dificultará ainda mais caracterizar o flagrante após um trabalho de investigações prévias que envolvem levantar o local de transporte e acomodação das drogas em situações que independentemente da quantidade, o crime de tráfico está configurado.
Com isso, os traficantes poderão fazer-se valer de alternativas para maquiar o tráfico com justificativas mais fáceis, utilizando brechas de maneira legalizada. O que vai exigir da polícia investigações muito mais aprofundadas e comprobatórias.
Na visão de Stobbe, caso o STF manter a descriminalização, o Congresso, que é o responsável constitucional e legal em deliberar sobre legislações, poderá reverter a decisão. “Se sabe que o ativismo judicial é presente. O STF têm atribuições que se confundem com questões legislativas. A positivação judicial vem ocorrendo há algumas décadas. Tem legitimidade, mas podem ser questionadas pelo congresso”, observa.
Para o delegado o consumidor de drogas já tem o acesso facilitado aos narcóticos. “Deveria haver recrudescimento penal para os consumidores que são os estimuladores do tráfico, assim como para os receptadores de objetos furtados que fomentam o furto”.
Em sua opinião pessoal avalia que as drogas são nefastas e a própria maconha, que é porta de entrada para as outras drogas, traz danos irreversíveis a saúde dos usuários nas células cerebrais, raciocínio lógico e argumentação. “Os efeitos só serão sentidos daqui há 15 ou 20 anos. Vários países, como a Holanda, estão revendo decisões”.
“PENSO SER UM RETROCESSO LIBERAR ALGO QUE FAZ MAL PARA SAÚDE” Capitão Engster
Na opinião do capitão da Brigada Militar de Arroio do Meio, Jorge Luís Engster, a descriminalização do porte de drogas ilícitas é um retrocesso pelo fato de não fazerem bem para a saúde. “Já temos substâncias o suficiente, que estão liberadas, e que trazem prejuízos incalculáveis para sociedade. Hoje, são os pais que ensinam os filhos o que pode ou não pode e qual argumento um pai vai usar para proibir o filho a usar algo que estará liberado? Eu, como pai, mesmo que fosse liberado, jamais iria permitir que meu filho usasse, pois sei o mal que faz para as pessoas”, afirma Engster com 25 anos na Polícia Militar e diz que a maioria dos fatos negativos da sociedade estão relacionados com consumo e tráfico de entorpecentes.
Segundo o capitão, a liberação da posse iria impactar no aumento de ocorrências em geral, pois haveria a alteração do estado psicológico dos consumidores, provocado pelo princípio ativo da substância. “Além disso, o policial sempre estaria na dúvida se haveria configuração de tráfico de entorpecentes, podendo gerar desconforto entre o abordado e o policial. Ainda vejo, a longo prazo, sendo a maconha a porta de entrada para outras substâncias mais prejudiciais. Haveria o aumento de problemas que refletem diretamente na criminalidade. Imaginem uma praça cheia de crianças com seus pais e adolescentes consumindo entorpecentes nas proximidades.” Engster destaca que a maioria da população é contra o consumo.
Ele também cita que a descriminalização oportunizaria o tráfico de drogas em menor quantidade durante o dia. “Acredito que seria a primeira artimanha a ser utilizada.” Atualmente, sobre os casos de flagrante, observa que não há bem um limite de quantidade para estabelecer a diferença de posse para o tráfico. Portanto, o que influencia são as circunstâncias da prisão. Se o abordado estiver com certa quantidade de entorpecente, mas é localizado em ponto de traficância, possui balança de precisão, dinheiro trocado, geralmente se configura o crime de tráfico. “Não havendo circunstâncias de tráfico, o policial faz um termo circunstanciado no local e libera o abordado após assinar para comparecer ao juizado. Para a posse não existe previsão de pena privativa de liberdade.”
Em relação aos números em Arroio do Meio, Engster divulga que no primeiro semestre de 2023, foram feitos 45 termos circunstanciados para usuários. Ele observa que isso pode representar produtividade no trabalho da Brigada Militar, porque quanto mais pessoas abordadas em situação suspeita, mais ocorre a prevenção de forma efetiva. “A posse do entorpecente, geralmente, é uma consequência da abordagem.”


