“O que ocorreu aqui foi uma coisa de grande proporção. Mas temos de entender que a culpa não é da chuva. Ela seguiu seu caminho que seria o natural. Temos que preparar melhor as cidades. Os governantes têm que olhar isso como, infelizmente, uma coisa que pode voltar a ocorrer. A gente sabe que no passado isso era muito raro, mas foram três ou quatro grandes enchentes nos últimos meses”. A frase de alerta é o porta-voz do Greenpeace Rômulo Batista, que juntamente com equipes da Cruz Vermelha (nacional e internacional) e de movimentos sociais como o MAB, MPA, APIB, ARPINSUL e CIMI, esteve em Arroio do Meio na última semana de maio, atuando na assistência às famílias afetadas pela enchente com distribuição de alimentos, roupas, calçados e demais donativos. No salão da Comunidade Católica do bairro Novo Horizonte foi instalada uma cozinha solidária do MAB e um ponto de distribuição de doações.
Rômulo, que há 20 anos atua em Manaus na defesa do meio ambiente, reforça que há algumas décadas os cientistas e ativistas ambientais vêm advertindo para o que se chamava de mudanças climáticas, hoje, uma verdadeira catástrofe climática. “Como bem definiu o chefe da ONU, estamos em um momento de ebulição global, não é mais aquecimento. A queima de combustíveis fósseis é a principal responsável por esse aquecimento global na maioria dos países. No Brasil é diferente. Quando a gente pensa nesses gases do efeito estufa, mais de 50% vem da destruição de florestas naturais, do Cerrado, dos biomas daqui, da Mata Atlântica, do Pampa, e da queima que se faz posteriormente. Clima não tem fronteira, não respeita fronteira de estado ou continente”.
Parte da chuva que veio para cá, explica, é uma chuva que naturalmente já cai e contextualiza que a floresta (Amazônia) bombeia mais água para a atmosfera do que o rio Amazonas deposita no oceano. “Essa água sobe e bate nos Andes e desce irrigando todo o Centro-Oeste, Sudeste, Sul do país. Por isso não se tem deserto no Brasil”, detalha atentando para o fato de em outros continentes, na mesma faixa da região do Centro-Oeste brasileiro, há grandes desertos. “A Amazônia tem esse papel de irrigar, só que com a destruição dela e a emissão dos gases do efeito estufa a gente está mudando o clima. Tivemos esse grande bloqueio atmosférico no Centro-Oeste e parte dessa chuva que era para cair lá acabou sendo desviada e, junto com esse fenômeno climático do El Niño e outros, se teve essa grande concentração de chuva”.
Alertas e ações
Rômulo destaca que o Greenpeace já vem alertando há anos que a exploração de petróleo, carvão e gás iria trazer resultados catastróficos. Afirma que estavam previstos para acontecer daqui dez, quinze anos, mas os modelos climáticos mostram que estão ocorrendo agora. “É super necessário, já que o clima mudou, que os governantes mudem também. É necessário que eles olhem para essa questão climática e tomem uma atitude”, avalia, defendendo que não pode continuar aprovando mudanças no Código Florestal permitindo mais desmatamento e mais emissões de gás do efeito estufa. “Todas as esferas do governo federal e municipal precisam olhar pra questão climática e precisam começar a adaptar as cidades e, em especial, olhar pra população que é mais afetada: a ribeirinha, preta, pequenos agricultores, indígenas”.
Para o porta-voz do Greenpeace é preciso diminuir a emissão de gases do efeito estufa, o que no Brasil significa desmatamento zero, e reflorestar, refazer florestas naturais que perdurem por muito tempo. “Tem uma máquina maravilhosa que está aí há milhões de anos que se chama árvore, floresta, mata, Cerrado, Pampa, Mata Atlântica, que já faz isso. Se a gente precisa melhorar e diminuir a velocidade dessa aceleração a máquina mais completa que existe está aí, é a floresta”.
Ao contrário do que deveria ocorrer, inclusive com diversos acordos internacionais assumidos, o mundo não vem diminuindo a emissão de gases. “A gente precisa desse esforço principalmente dos governos para que a gente possa mitigar os efeitos. Porque parar essa crise climática que estamos vivendo vai levar muito tempo. Sabe-se que o gás carbônico, o principal gás do efeito estufa, que é emitido hoje permanece na atmosfera por décadas e, infelizmente, isso que se está vendo hoje é efeito de coisas que já foram emitidas historicamente, 30, 40, 50 anos. E não estamos vendo essa diminuição em âmbito global”.
Reflorestamento
Questionado sobre reflorestamento nas margens dos rios Taquari e Forqueta, Rômulo, que tem formação em biologia, salienta que antes é preciso considerar o tipo de árvore a ser plantada. “Se é a várzea do rio, existem plantas e árvores adaptadas que resistem a esse alagamento, que têm um sistema radicular que se fixa muito bem e resiste a cheias. Super importante também a recomposição da mata que está nos morros e tem que ser com espécies que estão adaptadas a viver neste ambiente, com raízes profundas, já que esse solo dos morros geralmente é pouco profundo e com rochas”, afirma, salientando que as árvores que são deste lugar, da Mata Atlântica, são muito diferentes das espécies exóticas, que têm outra dinâmica. “A ciência mostra que para cada ambiente a vegetação se adaptou de um jeito. Tanto que só aqui no estado temos o Pampa, a Mata Atlântica e outros tipos de vegetação. Cada uma adaptada ao lugar. É o processo natural. São árvores adaptadas a esse ambiente, a fazer a proteção ecológica do leito dos rios, dos morros”, afirma, lembrando que a vegetação natural absorve diretamente de 30 a 40% da chuva e teria mitigado os impactos da enchente.
Sobre o processo de mudança, o porta-voz do Greenpeace, destaca que o primeiro ponto passa pela comunicação. “Tem que comunicar de uma forma mais clara que esse é um problema real, não é uma coisa de ambientalóide ou de determinado aspecto político. Não é algo para daqui 10, 15 anos, está acontecendo agora. E, infelizmente, se não fizermos nada, vai se agravar. Tenho muita esperança nos jovens e nas crianças, que se formos analisar, vão ser os mais afetados. E vemos muitos movimentos, no Brasil e mundo afora, deles cobrando dos governos e educando até mesmo os próprios pais, mostrando que esse pensamento ele foi errado até aqui”.
Outro ponto que ele considera determinante é repensar o modo de produção e consumo. “O planeta não aguenta mais queimar tanto combustível fóssil, destruir tanta vegetação natural e floresta e, infelizmente, a prova é essa. E não é uma coisa local, só do Rio Grande do Sul ou do Brasil”, afirma, relacionando enchentes gravíssimas no continente africano, na Ásia, incêndios nos Estados Unidos e no Canadá, nos últimos 60 dias. “A seca do Amazonas e a enchente que ocorre aqui no Rio Grande do Sul são duas faces da mesma moeda, que é essa crise climática. E precisamos, isso não uma obrigação só do Brasil, mas de todos os países e líderes globais, parar de fazer promessas e começar a agir”.
Ações
Em âmbito local, Rômulo considera importante, em um primeiro momento, acolher as pessoas que perderam tudo e, posteriormente, quando se pensar em reconstrução, identificar áreas críticas e trabalhar, a médio e longo prazos, para adaptar as cidades e o meio rural. E isso vai desde a construção de estradas, e de como serão protegidas para não ter deslizamento, até a relação com o rio, com as áreas de várzea e de morro.
“É um grande desafio. Parte do local até o global. Literalmente todo o mundo tem de se unir e lutar. A crise climática é a maior e a mais difícil batalha que o ser humano vai viver no século XXI. Também temos a crise da biodiversidade, que vem se perdendo de uma forma grande por conta da destruição e da mudança climática e sabemos que dependemos muito dos polinizadores. 70% do que se come de origem vegetal depende dos polinizadores e sem eles vamos passar por uma outra crise, que é muito severa. Já começamos a ter refugiados por conta de comida, de água, por questões climáticas e isso é um problema”.
Por outro lado, Rômulo percebe que os momentos de crise são oportunidades de virada. Pondera que o ser humano tem capacidade analítica e de resolver problema. Analisa que é preciso repensar o jeito que se enxerga o planeta Terra. “Essa é nossa casa. O clima não tem fronteira, a casa é a mesma. Temos de agir. Devemos isso para nossos filhos, netos, bisnetos. Essa geração tem o poder de fazer a virada necessária”.