As enchentes do fim de abril e mês de maio provocaram centenas de histórias de vida, algumas com final trágico outras de renascimento ou recomeço. Muitas ainda estão sendo assimiladas e processadas por quem esteve no meio da tragédia e foi diretamente impactado. Pedro Canísio Fuhr, a esposa Lovani e os filhos Diego Rodrigo, 39, e Edson, 38, vivenciaram dias de apreensão. Além das enchentes terem invadido instalações, afetado animais da propriedade rural e as casas onde nunca havia chegado antes, ficaram preocupados com a queda das pontes, essenciais para ir a Lajeado. Os irmãos Diego e Edson são pacientes de hemodiálise, que é feita no Hospital Bruno Born. O processo tem que ser feito três vezes por semana, com sessões de quatro horas, por uma máquina que acaba substituindo o trabalho que o órgão humano sadio faria. Naquela semana, no auge das cheias do Taquari e Forqueta, a força das águas levou no dia 2, quinta-feira, as estruturas da Ponte de Ferro e a da ERS-130, principais ligações terrestres entre as cidades. Além das duas pontes que têm ligação direta entre Arroio do Meio e Lajeado, a força da água do Forqueta, além dos estragos por onde passou em lavouras e casas, também levou a estrutura parcial da ponte que liga Travesseiro e Marques de Souza. Os irmãos Fuhr tinham feito o procedimento da hemodiálise na quarta-feira e a próxima sessão seria na sexta. Com a notícia da queda das pontes começou a preocupação. Quando o processo não é feito dentro de um período limite, pode levar a óbito.
COMO FUNCIONA
Na hemodiálise uma máquina filtra e limpa o sangue, quando os rins estão doentes e não conseguem fazer o trabalho. Através da hemodiálise os pacientes que têm insuficiência renal comprometida conseguem ter uma vida próxima do normal se além do procedimento regular, conforme indicação médica, tomam uma série de outros cuidados, com dieta restrita, pouco sal, controle de ingestão de líquidos, além de exames periódicos para manter o nível da saúde.
TRANSPORTE DE HELICÓPTERO
A aflição em torno da hemodiálise só foi amenizada com a disponibilidade de um helicóptero que por alguns dias fez o transporte de 14 pacientes de diferentes enfermidades de Arroio do Meio que tinham que fazer algum tratamento de urgência. Entre eles estavam os irmãos Edson e Diego. Através de um esforço conjunto por parte da administração municipal, 16ª Coordenadoria Regional da Saúde e governo do Estado articularam o apoio logístico de um helicóptero para transportar os casos que dependiam de atendimento de urgência. “Foi importante este suporte aéreo. Se não tivesse este socorro não sei como seria. Quando passa um dia do marcado para fazer a hemodiálise, já me sinto muito cansado, com tonturas e alterações pelo corpo”, diz Edson.
“Fomos num sábado e depois ficamos uns dias na casa de parentes em Lajeado, até que as águas baixaram e surgiram rotas alternativas (mais demoradas) para chegar ao Bruno Born”, relatam os irmãos que, além de terem a propriedade da família invadida água e muita lama, enfrentaram o drama pessoal com esperança para não interromper o tratamento. “Nestas horas a união da família, a fé em Deus é fundamental”, diz a mãe Lovani que foi doadora de um rim para o filho Edson. A doação da mãe para o transplante permitiu que entre 2006 a 2018, Edson tivesse uma vida normal. Mas na época sofreu uma infecção muito forte, o que baixou a imunidade, do transplantado. De lá para cá, Edson voltou a fazer a hemodiálise junto com o irmão Diego, que também tem insuficiência renal desde bem novo. Eles estão na fila de espera para transplante, o que pode lhes devolver maior qualidade de vida, sem tantas restrições. Sentados ao lado do fogão, na casa confortável e aconchegante dos pais Pedro e Lovani, os irmãos reforçam que procuram viver um dia de cada vez, fazer o que é possível e, acima de tudo, têm muita fé em Deus. A família se apoia mutuamente através do amor, afeto e trabalho na divisão de tarefas na propriedade.
PROPRIEDADE FOI ATINGIDA
Assim como a de centenas de moradores de Arroio do Meio e do Vale, a casa do Pedro e da Lovani e também a do filho foram invadidas pela água, que chegou de forma muito surpreendente e rápida. Na propriedade, além do tempo de espera pela recuperação da lavoura para plantio, a família perdeu galinhas, um boizinho e a produção leiteira baixou em torno de 50%, já que o clima afetou o ambiente e as pastagens. “Se antes do inverno o plantel de 19 vacas rendia em torno de 300 litros diários, agora é necessário aguardar para normalizar o clima, se reinventar e ter cautela e fazer o que é possível”, diz, com sabedoria, o Seu Pedro, um homem que gosta de ler, refletir, discernir entre o certo e errado e conversar sobre os mais diversos assuntos.
Foto: Isoldi Bruxel