O programa de controle de simulídeos, o popular borrachudo, está em andamento em vários municípios da região. Essa ação, que conta com a participação de equipes técnicas e voluntários, visa reduzir a infestação dos insetos que causam desconforto para moradores das áreas urbanas e rurais. Arroio do Meio iniciou seu Programa em 1999 e, desde 2019, integra o Programa Estadual de Controle do Simulídeo, que envolve órgãos municipais, a Emater-RS/Ascar, além de dezenas de voluntários. O programa utiliza o larvicida biológico Bacillus Thuringiensis Israelensis (BTi), adquirido pelo município, para combater as larvas de simulídeos em arroios e córregos.
A aplicação coordenada do BTi é feita sempre de acordo com o monitoramento dos cursos d’água para otimizar a eficácia do produto, explica o engenheiro agrônomo da Emater, André Michel Müller, responsável técnico do Programa. O BTi é um produto específico, que atua apenas nas larvas dos simulídeos, sendo inofensivo para outros animais aquáticos e aqueles que consomem a água. Em geral, as aplicações são suspensas durante os meses mais frios para que o inseto não desenvolva resistência. A aplicação em Arroio do Meio, feita exclusivamente por voluntários capacitados, impede que as larvas se desenvolvam, reduzindo assim a quantidade de insetos adultos. No município são cerca de 70 aplicadores voluntários envolvidos. Todos indicados pelas comunidades, conforme relata o técnico em Agropecuária da Emater, Elias de Marco. Além das ações de controle com o BTi, é importante manter os arroios e riachos limpos, sem lixo, bem como manter e restaurar a vegetação nativa das margens. As medidas, além de reduzir a matéria orgânica, que é fonte de alimentação das larvas, também cria uma barreira natural para o voo do inseto, limitando sua ação e proliferação.
A vegetação também fomenta a existência de inimigos naturais doe simulídeos, a exemplo das libélulas, que se alimentam das larvas. A picada do borrachudo, feita pela fêmea, que precisa do sangue para o desenvolvimento dos ovos, pode causar dor, reações alérgicas e, em alguns casos, até infecções. O controle sistemático é essencial para evitar uma reprodução descontrolada, já que a fêmea tem ciclo de vida superior a 20 dias.
Calha Parshall, o ponto de partida
A Calha Parshall, dispositivo instalado no arroio Café, em Picada Café, é determinante para o controle dos simulídeos em Arroio do Meio. É por meio da vazão medida na Calha Parshall que André calcula a quantidade de BTi que deve ser aplicada, bem como a distância de cada aplicação. Quanto maior a vazão, maior é o alcance do produto na água.
Nos arroios e córregos em que não há correnteza, o BTi não é aplicado, já que os simulídeos, diferentemente dos mosquitos, não se criam em água parada. Os ovos do borrachudo são depositados na água, geralmente em lajes ou pedras expostas à luz solar, em pontos em que o curso d’água forma pequenas cachoeiras que oxigenam a água, característica primordial para o seu desenvolvimento. O larvicida biológico intoxica a larva que se desprende das pedras e é levada pela correnteza, impedindo sua reprodução.
“A larva precisa de um lugar com água rasa e que seja oxigenada, para se fixar e respirar. Quando se tem um volume considerável de chuva, as larvas não conseguem subir para a superfície para respirar e morrem”, pontua André. Por isso, sua aplicação deve ser feita em um período específico do ciclo reprodutivo, fator que faz com que o monitoramento in loco, feito pela Emater, seja tão necessário. Neste ano, em função dos impactos da enchente de maio, que provocou grande devastação da vegetação das margens, já se percebe a necessidade de aplicar o BTi em pontos que antes eram fechados pela mata e não tinham a proliferação das larvas.
Voluntários
André e Elias destacam que nestes 24 anos de controle de simulídeos, a participação dos aplicadores voluntários, juntamente com a maior conscientização ambiental e mudanças nas práticas de produção, que inclui a exigência de licenças ambientais para determina[1]das atividades, têm sido determinantes para o sucesso do programa. Tanto que no início havia a necessidade de fazer mutirões de limpeza dos arroios para recolher o lixo e hoje não é mais necessário.
O agricultor Guinter Immich, de Rui Barbosa, auxilia no controle do borrachudo desde o início das ações. Ele também é responsável por orientar e repassar o BTi para os demais cinco aplicadores do grupo que atua naquela região. Considera que o trabalho voluntário é determinante para o bem-estar da comunidade, já que ninguém quer o incômodo do borrachudo. “É uma questão de saúde pública que o próprio morador consegue resolver, tanto pela contribuição para manter os mananciais sem poluição, quanto pela aplicação do BTi. É um tripé que tem funcionado bem: o município que adquire o produto, a Emater que faz a parte técnica e os moradores voluntários que auxiliam na aplicação”, dimensiona Elias.
Guinter diz que depois de 24 anos já conhecia até as pedras dos arroios. No entanto, depois da catástrofe de maio, tudo está muito diferente. A largura dos cursos d’água está maior, dezenas de árvores não existem mais e o leito está repleto de sedimentos. As mudanças requerem ainda mais empenho e cuidado. Ele segue a orientação de não adentrar nas áreas de mata sozinho ou desprotegido, pois pode haver animais peçonhentos e risco de acidentes. “Tem lugares que é mais perigoso, tem pedras, cachoeiras. Sempre uso botas e levo um facão”, conta. O aplicador avalia que para que o programa continue tendo sucesso, é fundamental o engajamento de novos voluntários.
“Nós, que estamos há mais tempo, vamos ter de passar a missão para os mais jovens. Com a idade, também se torna mais difícil. Tem lugares de mais risco e o ideal é que outros vão dando continuidade”. André e Elias pontuam que a gestão eficiente dos recursos, sejam humanos ou financeiros, fazem com que o programa seja sustentável a longo prazo. Pontuam que o fato de no município a aplicação ser feita por voluntários treinados, aumenta a eficácia, já que a orientação é para que todos os pontos recebam o BTi no mesmo dia e não de forma intercalada. A posição é reforçada pelo agente epidemiológico do município, Rui Horst, que integra a equipe do Programa desde 2019. Ele enfatiza que a ação dos voluntários é um grande diferencial. “Eles se dispõem a fazer um bem coletivo”, avalia, salientando que os aplicadores têm dimensão do quanto o programa é importante. Tanto que ajudam a sinalizar quando as aplicações devem iniciar, pois percebem a incidência do borrachudo e a ação do produto. “Se percebe que a partir da primeira aplicação já se tem bons resultados.”
Foto: Jaqueline Manica