Aos 82 anos, Lourdes Reckziegel Brod, moradora do bairro Dona Rita, Arroio do Meio, cultiva um hábito diferenciado: escrever um diário. A escrita em diários é uma forma de expressão utilizada pelos adolescentes desde longa data. Poucos adultos fazem diários ou se faz, quase ninguém sabe, mas no caso de Lourdes, é algo tranquilo e a família dá o maior apoio.
Vó Lourdes, como é carinhosamente chamada por seus netos e também por netos que não são os seus, vive em uma casa que testemunhou não apenas o nascimento seu e de seus irmãos, mas também de suas quatro filhas e alguns sobrinhos. Em 1963 casou-se com Wendelino Brod e, ao lado do esposo, continuou residindo com os pais Wilma e Bertoldo Reckziegel. O avô Alfredo Reckziegel, ao ficar viúvo passou a residir com a família, falecendo seis anos depois, em 1979. Por um período de dez anos, 15 pessoas viveram sob o mesmo teto na casa centenária construída por volta de 1915, onde nunca faltou comida, respeito e amor.
O diário da Vó Lourdes
Tudo começou em 1991 enquanto ela fazia compras no mercado do STR de Arroio do Meio e como de costume comprou um vidro de café, que veio acompanhado de um brinde: uma pequena agenda. Chegando à casa pegou a agenda que cabia na palma da mão, pensou: “Isso eu também posso fazer”, referindo-se a escrever na agendinha. Desde então passou a anotar em pequenos tópicos o cotidiano da família e de pessoas diretamente ligadas a ela: parentes, vizinhos e amigos. Nascimentos, falecimento de pessoas conhecidas, datas especiais, comemorações, ligações telefônicas, tudo está entrelaçado nas linhas que faz questão de escrever sentada na mesa da sala, sem pressa e com uma letra muito bonita. Se deixou de registrar algo naquele dia, o faz no dia seguinte.
Isto tem acontecido ao longo dos últimos 33 anos.
A visão já não é a mesma de alguns anos atrás. Enxerga bem pouco no olho esquerdo e está tratando o olho direito, que em virtude de um derrame ocular, foi prejudicado. Tem recebido injeções diretamente no olho e a visão está melhorando, surpreendendo tanto o oftalmologista como a ela própria, que por um período não pôde fazer os registros diários na agenda. “Enquanto não pude escrever, a Méri, que é casada com meu sobrinho e passa o dia aqui em casa, anotou tudo o que pedi. Então não houve interrupção, também não faltou tempo para tomar nosso chimarrão, assistir televisão e mesmo conversar”, conta.
O esposo Wendelino Brod faleceu em 31 de maio de 2024 e Lourdes mantém-se firme na propriedade, localizada na encosta do Morro Gaúcho, onde tem potreiro, muito verde e uma estrada de chão que termina no pátio da casa. O imóvel foi totalmente revitalizado em 2018, tendo sido preservadas as características originais.
Lourdes aprecia a leitura, acompanha as notícias do município por meio do jornal e tem quase todos os livros dos concursos literários do município de Arroio do Meio. Fica feliz quando os netos e bisnetos pedem que conte histórias do passado ou querem ver as agendas. “Ficam atentos e se impressionam com alguns acontecimentos, dão boas risadas e também ficam deprimidos com fatos tristes” diz. Já há alguns anos ganhou de presente das filhas um aparelho celular e sem a ajuda de ninguém faz ligações, manda mensagens pelo whats app e, quando não consegue escrever, manda áudios.
Em meio a tantas agendas, ao abrir uma aleatória, fica explícita a simplicidade da vida na propriedade, o trabalho, o cuidado com os familiares e, principalmente, a boa relação com os vizinhos e comunidade.
27/01/2009, terça-feira- “De manhã fui no enterro de Almiro Gerhardt no Morro Vermelho. Lovâni e família foram na praia. Amir fez mudança para o loteamento Dona Rita perto da creche, no Novo Horizonte. Glaci me ligou, eu liguei na Alice ela não vai na excursão dia 31. De noite José e Isolde levaram as crianças na Rosani e Amir. De noite visita de Amelia e Albano ela veio com carro novo”.
28/01/2009, quarta-feira – Buscamos pasto, capinei, veio o batateiro comprei por 38,00 (reais). Ganhei da Irici melancia de neve e pepinos, dei para eles uvas e bananas. Antes da noite fui na Irici tomar chimarrão ganhei pão de milho e figos. Choveu. Liguei na praia falei com Édina. Valmir passou veneno nas terras do potreiro.
Foto: Neusa Alberton Bersch