Aconteceu em Curitiba, ainda nos anos 80. Na época, repórter esportivo, procurava o hotel que me haviam reservado. Foi nessa busca que me deparei com uma senhora, bem apessoada, atenta ao relato esquisito de um casal. Eles diziam ter um bilhete da loteria federal premiado, mas não podiam retirar o prêmio porque precisam dar uma quantia em dinheiro para sacar o valor. Quase ri, golpe tosco. Mas percebi que os estelionatários eram muito convincentes.
Quando perceberam meu olhar apontaram os bilhetes e me fizeram a mesma proposta. Queriam uma determinada quantia e a fortuna seria nossa. Imaginem que gesto lindo. Total desprendimento! E assim, com muito tato, perguntei se eles nos acompanhariam até uma agência da Caixa Econômica Federal. É claro que não poderiam, alegaram problemas pessoais, a dona do bilhete tinha dívidas bancárias e isso a impediria de receber o prêmio.
A candidata a vítima me disse que era pobre e que esse dinheiro ajudaria para quitar dívidas. Silenciei, até porque os vigaristas já me encaravam tensos. Alertei, mais uma vez, que poderia ser golpe, mas eu não tinha como provar. “É o seu dinheiro, a senhora assuma os riscos que achar convenientes”, alertei, enquanto seguia em frente. Mas alguns metros adiante me deparei com policiais e apontei discretamente à situação. Eles foram rápidos e, quando os vigaristas perceberam, saíram em disparada pelo calçadão.
Lembrei dessa história quando a imprensa noticiou a prisão, em flagrante, de seis estelionatários, pela prática do golpe do bilhete premiado, em Capão da Canoa, no litoral norte do Estado. O grupo já havia causado prejuízos superiores a R$ 300 mil a outras vítimas. O professor de história contemporânea, José Augusto Dias Júnior, em seu livro “Os Contos e os Vigários”, explica que a ignorância, a possibilidade de levar vantagem em cima de outro, praticamente cega as pessoas, na maioria das vezes hipnotizadas pela fala sedutora dos golpistas.
Hoje existem golpes semelhantes via internet. Pelo menos duas ou três vezes me ligaram dizendo que eu tinha valores a receber em determinada rede bancária. E o dinheiro voltaria à origem se eu não o resgatasse, mediante, é claro, a um depósito antecipado para liberar as taxas bancárias. Cheguei a balançar. Mas uma simples ligação para o banco me deixou ciente que minha conta estava lá, dormindo, sem um único centavo.
Entendo também muitas dessas vítimas. Algumas em situação difícil, desempregadas e aí, do nada, surge uma oportunidade de tocar a vida financeira outra vez. Pagar contas, abrir um negócio próprio. É doloroso e cruel esse tipo de golpe. Abre uma porta ilusória que se ilumina em esperança para, momentos depois, mergulhar na escuridão do crime. Prisão para essa gente sem escrúpulos é só o que eu peço. E que tenhamos muito cuidado quando a esmola é demais, o santo desconfia, prega o ditado. Afinal, ninguém te oferece nada para perder.