Há 103 anos, entre os dias 13 e 17 de fevereiro, houve um evento notável na cidade de São Paulo. Aconteceu ali a chamada Semana de Arte Moderna.
Foi assim: um grupo de figuras de destaque no cenário paulista - artistas, políticos, diplomatas - organizou uma série de conferências no Teatro Municipal. O objetivo era arejar as ideias, dar uma chocalhada na maneira de pensar da época. O pessoal do grupo entendia que nosso país precisava se atualizar. Acreditavam que estávamos de costas para as novidades que tomavam conta da Europa, depois do fim da primeira guerra mundial. Queriam nos ver embarcar na modernidade. Pensavam que devíamos conciliar a valorização da nossa essência brasileira com as novidades que apareciam. Estavam convencidos de que era hora de acertar o passo com o mundo mais avançado.
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A repercussão do ciclo de conferências da Semana de fevereiro de 22 não poderia ter sido pior.
Levantaram-se os defensores da tradição e tentaram boicotar a iniciativa, inclusive organizando vaias estrondosas para todas as sessões.
Mesmo assim ou, talvez por isso mesmo, a Semana de Arte Moderna ganhou muita repercussão e se tornou um marco na história da mentalidade brasileira.
Vários dos artistas que atravessaram o fogaréu da Semana tiveram seu nome consagrado décadas depois, exatamente pelas inovações que introduziram. É o caso do músico Villa-Lobos, do pintor Di Cavalcanti, do poeta Manuel Bandeira, do escritor Mario de Andrade.
Com o tempo, na esteira do escândalo de 22, foi brotando uma produção cultural muito nossa e muito rica. Surgiram livros esplêndidos, como “Vidas Secas”, que fala da precária realidade no sertão, mas consegue utilizar modernas técnicas de narração. A pintura assimilou o estilo abstrato, a música erudita incorporou influências populares. Etc.
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O futuro costuma vencer o passado. Ao menos com a Semana de Arte Moderna aconteceu isso. De pouco valeram os gritos e os assobios, os tomates e as batatas jogados sobre os palestrantes no Teatro Municipal de São Paulo, no evento de 1922. De pouco adiantou que a imprensa ridicularizasse a iniciativa. O escândalo daquela semana apressou o Brasil a se mover do lugar.
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A pergunta que fica para responder neste mês de fevereiro, passados 103 anos dos acontecimentos de São Paulo, é a seguinte: se um evento como o de 1922 acontecesse entre nós e botasse frente a frente formas tradicionais e formas novas de pensar, qual seria a reação?
Também haveria vaias? Também jogaríamos batatas e tomates no palco, caso aparecessem temas que são polêmicos hoje, como a inclusão de minorias e a aceitação da diversidade?