A comarca era tranquila e permitia desenvolver um trabalho produtivo. O relacionamento entre os advogados e entre os serventuários era muito bom. Havia um advogado, vou batizá-lo de Zé, que era ativo e perspicaz.
Certa vez convidou a família do Juiz para uma marcação de gado no interior de uma cidade vizinha. Enquanto os peões arrebanhavam o gado para a mangueira, aproveitei para conhecer a redondeza.
Próximo ao meio-dia, os proprietários preparavam a mesa na casa sede da fazenda, cheia de enfeites e guardanapos, certamente esperando que o Juiz devia ser muito cerimonioso. Ao procurarem, encontraram-me sentado na raiz de uma figueira, na beira do fogo, lambendo uma costela de ovelha de lado a lado, tentando conversar com o assador que era deficiente auditivo. Acabou a mesa sendo transportada para próximo do fogo, perto da mangueira, sem cerimônia.
Após o almoço começaram os trabalhos campeiros.
Na saída da mangueira choviam os laços na direção do novilho, mas o que inevitavelmente restava, na pata da frente, era o do meu amigo assador. O advogado Zé tinha força e destemor e derrubava o novilho numa torcida de cabeça, tarefa bastante perigosa.
No momento da marcação, o fazendeiro manejava sua faca afiada e logo os testículos rolavam na brasa, de onde eram retirados, rolados no sal e distribuídos aos presentes.
Para quem nunca assistiu é um dia inesquecível, relembrando-se o histórico das origens do gaúcho que precisa ser forte, bravo e solidário, pois evidente o risco de se lidar com um animal de grande força, onde todos os peões acorrem para em conjunto submeter o animal bravio.
Zé sabia que eu gostava de chimarrão e, como chegava cedo ao fórum, todas as vezes que tinha audiência comigo, trazia para o fórum sua garrafa térmica, cuia e bomba.
Uma das audiências se estendeu até mais tarde e já passava um pouco do meio-dia quando eu e o Promotor descemos, após fechar a sala de audiências, e chegamos à porta da frente onde o porteiro aguardava para fechar o fórum.
Ao sairmos nos deparamos com o advogado Zé em frente ao fórum, escorado em um poste, de costas para nós, com o braço estendido para a frente do corpo e esguichando um liquido quente. Surpreso com a cena eu disse:
– Zé, de ti eu não duvido nada mesmo!
Uma cristalina gargalhada ecoou na avenida enquanto ele se virava em direção a mim e ao Promotor com a garrafa térmica presa no meio das pernas.
Certa ocasião realizei uma audiência em que a acusação era crime contra a fauna. A denúncia descrevia que o acusado praticara caça e transporte ilegal de marrecas que haviam sido apreendidas em seu veículo.
Citado, compareceu o réu acompanhado do conhecido advogado como seu defensor. Ao interrogá-lo este confirmou que estava transportando a carne apreendida, mas afirmou que se tratava de carne de ovelha. Nem insisti, pois já havia olhado o processo antes da audiência e vi que faltava o laudo de constatação de substância, essencial para afirmar que se tratava de caça ilegal.
Depois da proferir a sentença de absolvição e dispensar o réu, não resisti e disse para o ilustre defensor:
– Doutor Zé, já vi de tudo, mas nunca tinha visto ovelha com asas!