Por Neusa Alberton Bersch
No momento que o telefone tocou, no dia 16 de outubro de 2023, a vida da arquiteta arroio-meense Daniela Trombini e do empresário de Marketing, Felipe Lenhard, ganhou um novo sentido.
Naquele instante a voz no outro lado da linha era da Juíza de Direito mais incrível que poderia ter cruzado o caminho da família ‘Trombini Lenhard’. A própria magistrada informava que os irmãos Theyllor Henrique, 6 anos, e Taylla Sofia, de apenas 3 anos, estavam em um lar de crianças no aguardo de uma família e poderiam receber a visita do casal se assim ainda desejasse, afinal… estavam na fila de adoção há mais de 10 anos.
Daniela e Felipe estão juntos desde 2009 e antes mesmo de tentar ter um filho, inscreveram-se para adoção pois ambos compartilhavam a vontade de adotar uma criança. Sempre tiveram bem claro que “adotar não é um ato de caridade, humanidade, adoção é para vida inteira, filho é filho e pronto”, afirmou a arquiteta.
No dia seguinte da ligação, tiveram o primeiro encontro com os filhos de coração, uma gravidez que durou mais de 10 anos. Enquanto os adultos, os pais, têm tempo para viver, ampliar horizontes e criar laços, as crianças que buscam por uma família, crescem, a infância vai ficando para trás e as chances de serem adotadas diminui a cada dia, a cada hora, a cada minuto. Sofre o casal que sonha ter um filho, a família que quer mais um integrante, e o que dizer das crianças…
“Voltando ao momento do primeiro encontro, o primeiro olhar, um misto de a ‘bolsa estourou depois de 10 anos’, senti que eram meus, mas ainda precisávamos nos conhecer e criar laços. Retornamos ao lar diversas vezes no período de três meses, fomos criando vínculos, afeto, sentíamos saudades e eles também. Nesse meio tempo fomos nos preparando e preparando a casa para recebê-los. São crianças, precisam de atenção, tempo, roupas, brinquedos, iriam para a escola assim que iniciasse o ano letivo, nossas famílias queriam conhecê-los. Afinal também compartilharam e acompanharam a angústia de uma espera que se arrastava há anos.
O dia “D” chegou, em uma segunda-feira, após passarem o fim de semana com a gente em Arroio do Meio, levamos a Thaylla até a escolinha onde estudava e, na hora de deixá-la, ela chorou, queria voltar comigo. Fiquei em choque e ao relatar o ocorrido ao psicólogo que acompanhava nosso processo de adoção, ele disse que era uma reação normal, haviam criado um vínculo e era o sinal positivo que faltava para o próximo passo. Havia chegado o momento ‘ir para casa dos pais’. Depois desta confirmação, tudo foi preparado para recebê-los de forma definitiva no dia 15 de dezembro de 2023. “
Conforme Daniela, o lar onde os filhos viviam é mantido por uma instituição religiosa, na verdade é um condomínio fechado com moradias. Em cada moradia um casal de ‘pais sociais’ vive com 9 ou 10 crianças. No condomínio tem pracinha, igreja, sala de recreação, ginásio, assistência médica e odontológica, as crianças só saem para ir à escola e alguns passeios coletivos e que existem regras. Os meninos dormem em um cômodo, em beliches e as meninas em outro, também em beliches, antes das refeições e antes de dormir oram, agradecem por tudo que tem e recebem de doações, não sobra comida no prato, guardam seus brinquedos, tem horário para dormir e acordar, de certa forma, ‘vivem em uma bolha’ para serem protegidos pois já sofreram algum tipo de trauma, abandono ou rejeição. Ali são acolhidos.
“Chegar em Arroio do Meio, mostrar a cidade e a casa onde iriam morar, foi um desafio. Tivemos que ir muito devagar, era tanta informação para eles absorverem e gente querendo conhecer, surpresas e descobertas, não sabíamos até então que nunca foram a um supermercado, shopping, farmácia ou sorveteria, nunca andaram de carro à noite, não participavam das apresentações de escola, pais sociais não tem como estar em vários locais ao mesmo tempo. Tudo era novidade, viviam em uma casa, estavam bem amparados, seguros, sob os cuidados da mãe social, onde o básico era bem feito, o que precisavam, tinham”.
O casal mantém muitos hábitos que as crianças trouxeram, afinal, eles carregam uma história, viviam em um lar diferente sim, não havia aquela relação individual de pai e filho, abraços demorados, briguinhas bobas, conversas demoradas, descobertas e curiosidades, o próprio vocabulário das crianças era limitado. “Muitas vezes falávamos algo e eles olhavam sem entender, ou seja, desconheciam a palavra e seu significado. Fomos introduzindo tudo aos poucos, tudo ao seu tempo e assim tem sido desde então, a adaptação foi tranquila”.
Pais maduros, responsáveis, orçamento familiar equilibrado e uma casa linda, em uma rua sem saída onde Theyllor e Thaylla, ganharam amiguinhos e brincavam nos fins de tarde, não faltava amor, tudo perfeito.
A enchente de maio destruiu muita coisa, invadiu não apenas a casa deles, mas dos pais, tios, primos e muitos amigos. Foi preciso correr para salvar a vida e agora o bem maior da família, os filhos, todos precisaram de lares temporários. Nos primeiros dias no local de trabalho do Felipe, depois foram acolhidos pelos padrinhos de Daniela, Lynho e Elisete Schnorr, e desde junho de 2024, moram em um apartamento alugado no Centro da cidade e a antiga casa foi sendo limpa aos poucos e visitam o local nos fins de semana. Neste período difícil, o que foi sempre ensinando às crianças é que o mais importante era que a família estivesse reunida, independente do lugar onde estivessem.
“Sou muita grata pelo apoio e carinho de todos os familiares e amigos durante todo este processo. Sou grata por ser mãe de dois filhos maravilhosos.”