Com o intuito de trazer aos leitores histórias reais, de superação e resiliência, estamos visitando localidades dentro da área de abrangência/circulação do Jornal O Alto Taquari.
Desta vez, a parada foi na Linha Alegre, município de Capitão, mais precisamente na propriedade de Lírio e Ivanete Pederiva, ambos com 68 anos.
Filho de Sabino e Maria Pederiva, Lírio vem de uma família de cinco filhos. Há 48 anos casou-se com Ivanete Buzzini, natural de Jacarezinho/Encantado, continuou morando e trabalhando com os pais que eram agricultores. O casal tem três filhos, Elaine (46), Joel (40) e Genésio (37).
Na propriedade de mais de 13 hectares, a produção de leite e criação de gado é apenas para consumo, há venda de terneiros, porém a atividade principal é a terminação de suínos para a Dália Alimentos. Um moderno pavilhão atende mil suínos e nesta atividade, é parceiro do filho Genésio, que é casado com Marciane, pai de Vítor, 11 anos, e reside na casa ao lado.
No decorrer da vida, somos responsáveis por nossas escolhas, não temos o poder de voltar no tempo, mudar atitudes, fatos e consequências. Porém muitas vezes, ao ver o tamanho do estrago de nossas ações, devemos buscar outras alternativas, de alguma forma, “consertar” erros do passado, os quais, se machucam toda vez que vem à mente, que sejam um aprendizado, alerta permanente e razão para um novo recomeço.
Há 21 anos, Lírio Pederiva iniciou um novo recomeço, venceu o alcoolismo e mudou a própria história.
Precisou de ajuda sim, e demonstrando sabedoria, é grato aos que permaneceram do seu lado e não desistiram, ainda que muitos dissessem que não adiantava tentar.
Conforme o casal (ambos com 68 anos), morar na colônia, cultivar a terra plantando um pouco de tudo, permitiu ter sempre comida na mesa, criar três filhos e reinvestir na propriedade. Do parreiral, tiravam uva, faziam vinagre e um bom vinho. A cana de açúcar alimentava os animais, rendia um bom melado e uma cachaça pura, sem misturas nem batizada e o plantio de fumo, metros de cordas de fumo. Todas estas tentações, sempre no alcance da mão, a qualquer hora do dia ou da noite.
O casal, que demonstra uma união muito forte, lembra que é costume das famílias, receber a visita com coisas boas, que alegrem o paladar. Num jogo de cartas, num almoço ou janta, festa de aniversário ou evento festivo, nunca falta um chimarrão ou, um aperitivo, cerveja, vinho, caipira ou mesmo a cachaça. E quantas histórias lembram e até presenciaram, de antigamente, quando adultos ofereciam bebida e cigarro aos filhos pequenos, riam vendo as caretas e o rosto se contorcer pela repulsa e queimação, também colocavam açúcar no bico embebido na cachaça, ficavam felizes vendo os nenês lambendo os lábios ou tossindo, quase sufocando por aspirar a fumaça. “Era assim mesmo, isso acontecia”, afirmou a esposa.
Falar do passado, não os deixa felizes, principalmente Lírio, que até os 47 anos, bebeu compulsivamente. “Eu bebia para dormir e acordava para beber. A bodega ficava e ainda está a uns trezentos metros da nossa casa, podia até faltar dinheiro para comprar outras coisas, mas para beber, nunca faltava.” Diante deste quadro, ele que já bebia um pouco acima da média, tornou-se dependente da bebida que passou a ser consumida antes mesmo do café da manhã, do almoço e da janta, muitas vezes também durante e após cada uma delas.
A convivência com a família foi ficando difícil. O pai Sabino já havia falecido, porém Maria, a mãe, assistia a tudo.
Embora fosse à roça diariamente, estava sempre sob o efeito do álcool, pouco produzia. O trabalho exigia força, iniciativa e disposição, logo todo trabalho recaía sobre os filhos e a esposa.
A primeira mudança ocorreu quando decidiu parar de fumar. Fumou por quase trinta anos e lembra exatamente do dia que abandonou o vício – 17/11/1995. Naquele dia foi pra roça, como de costume, preparou lá mesmo o fumo e nesta vez, sentiu-se mal e jogou o palheiro fora. Chegando em casa contou para a mulher, que não fumava tanto quanto ele, mas na mesma hora, também abandonou o vício.
A bebida é mais agressiva, e só saiu da sua vida na hora que o corpo pediu socorro. Como de costume, foi para a roça, e desta vez, não tinha bebida para levar junto, logo tudo o incomodava. Irritou-se com os animais que estavam na lida e teve uma convulsão, ali mesmo. Levado às pressas ao hospital de Nova Bréscia permaneceu cinco dias saindo da casa de saúde direto para a Clínica Central, em Carneiros, Lajeado.
O ponto de virada foi a internação. Permaneceu por trinta dias, com acompanhamento de profissionais e grupos de Apoio, e só ali, encontrou propósito e as ferramentas para lutar contra a doença. Cada dia sóbrio era uma vitória, uma meta alcançada, tempo suficiente para ver o abismo no qual se encontrava. Fez um balanço do que estava fazendo consigo e com a família. “Saí da clínica com a cabeça feita de que nunca mais iria beber, trabalhar seria meu propósito quando saísse dali”, revelou.
Passados 21 anos, Lírio mantém as promessas que fez a si mesmo. Nunca mais bebeu, trabalha bastante e participa mensalmente das reuniões com o grupo dos AA de Capitão, Razão de Viver, que junto com os grupos dos municípios de Nova Bréscia, Coqueiro e Relvado, se encarregam de levar ex-dependentes e pessoas que tem interesse em largar o vício. “Trocamos experiências, formamos amizades no período da internação e é bom reencontrar estas pessoas, isto nos motiva”, reconheceu.
Lírio Pederiva admite que chegou no fundo do poço. Em tempo, soube aproveitar a oportunidade que a vida lhe deu, tratou a doença e conseguiu ser curado, é grato à família, amigos e vizinhos e ao município de Capitão, que desde o dia que entrou na clínica pela primeira vez, continua lhe assistindo e acredita que sem este apoio teria sido muito difícil vencer o álcool.
Fazendo um balanço dos fatos, o que mais lhe causa tristeza, é não ter visto os filhos crescerem, estava sempre sob efeito do álcool, causou constrangimento à família. Convive com isso e sabe que não dá pra voltar atras, os filhos cresceram e hoje de alguma forma tenta recuperar o tempo perdido. Por outro lado, em seus últimos cinco anos de vida, a mãe o viu sóbrio, todos os dias e desde que largou o vício, ao lado de Ivanete, aprecia dançar nos bailes promovidos pelo Grupo de Idosos Vida e Esperança. Ver os outros beber e fumar, não o incomoda, aprecia refrigerante, água ou sucos.
É possível sim recomeçar e todos que tem problemas com álcool, deveriam procurar ajuda, ou melhor aceitar ajuda, finalizou Lírio Pederiva, que conseguiu superar o vício e hoje gosta de estar com família, tomar um bom chimarrão e trabalhar para ver a propriedade ficar cada dia melhor.



