Não são as dores do corpo, nem os lapsos de memória ou o privilégio de usufruir das filas preferenciais, muito menos o hábito de acumular remédios contra todos os males. A pior coisa de envelhecer é perder os amigos que se vão. No ano passado foram nove ex-colegas, amigos ou conhecidos que me deixaram mais pobre. As perdas se iniciaram em janeiro e terminou às vésperas do Ano Novo, com a morte do amigo e fotógrafo parceiro Paulo Dias.
A dor das perdas, no entanto, não terminou. Há poucos dias fui atingido em cheio pela morte do escritor, professor e jornalista Carlos Urbim, com quem privei por anos na redação de Zero Hora. Era um cara do tipo “casa cheia”, pelo permanente alto astral, inteligência, sensibilidade e criatividade.
Vou omitir as inúmeras qualidades profissionais do amigo. Faltaria espaço para tantas facetas. Vou me prender ao quesito “gente do bem” que caracterizava este gaudério que nos deixou aos 67 anos, nascido em Santana do Livramento.
O sotaque fronteiriço era uma das marcas registradas que o diferenciava, mesmo rodeado pela multidão, como ocorreu em 2009 quando foi patrono da Feira do Livro de Porto Alegre. Outro detalhe marcante era a facilidade para a risada solta, gostosa e espontânea.
Costumava encontrar o Urbim uma vez por ano por ocasião da festa de aniversário de um amigo em comum. Bastava me ver para sentar ao meu lado. Um festival de piadas, imitações e gozações tomavam conta do ambiente. Aos poucos, todas as atenções convergiam para o autor de Um Guri Daltônico, de 1984. Escrever e falar para a gurizada era um dom cativante que rendeu inúmeros livros, palestras, bate-papos e prestígio com a galerinha.
Agora ela está num plano superior, entretendo a piazada das redondezas
O primeiro livro, que tratava do daltonismo – deficiência visual que impede a pessoa de reconhecer e diferenciar as cores – era quase autobiográfico porque ele sofria deste problema. Certa vez, perguntado sobre a impossibilidade de vislumbrar as tonalidades na infância, Carlos Urbim disparou:
– Eu tinha uma vantagem sendo daltônico: nunca senti inveja daquelas meninas que tinham estojos enormes, com 96 cores de canetinhas e lápis de cor. Pra mim, bastavam duas ou três, já que as outras eu confundia mesmo…
Quando éramos colegas de redação costumava levar meus filhos – ainda pequenos – nos domingos e feriados. Basta Urbim vê-los para assumir os cuidados com a gurizada. Levava ao bar, dava balas e chocolates e presenteou os dois com a coleção completa de seus livros infantis. Não satisfeito, escreveu uma dedicatória carinhosa e criativa em cada exemplar.
Isso seria suficiente para demonstrar o ser humano especial que está entretendo a piazada no plano superior e nos observando com o raro carisma que o caracterizava.

