A crise é combustível para a criatividade, se diz há milênios. A partir das dificuldades que soam insolúveis, encontram-se soluções até então inimagináveis.
Outra consequência deste conjunto de obstáculos é uma espécie de autoanálise coletiva. As pessoas arquivam as desculpas esfarrapadas de sempre, promovem uma mea culpa para encarar os próprios defeitos sem máscaras.
A mania de terceirizar a culpa, impingindo a outros as causas de suas fraquezas, virou esporte nacional no Brasil. A crise econômica, política e moral que assola o eterno país do futuro constitui preciosa chance para varrer o vício de culpar os outros.
A variedade de desculpas para justificar procedimentos condenáveis vai do baixo nível da educação recebida até o ambiente de trabalho, passando pelo salário percebido (“eu não ganho pra fazer isso”), carga genética (“herdei dos meus antepassados este defeito”), local de nascimento e até desvios crônicos de caráter (“no Brasil, ser honesto é ser trouxa”).
É hora de assumir nossas culpas. A corrupção está em todos os lugares do nosso cotidiano. Duvidam? Está na hora de pagar o dentista/médico e abrir mão do recibo em troca do desconto, ou no momento de ficar com o troco a mais dado pelo caixa do supermercado ou ainda no momento de estacionar na vaga de idoso/deficiente físico quando o segurança do shopping não está por perto.
Tomara que a crise sirva para que cada um assuma suas responsabilidades
A simplificação da vida também pode minimizar as agruras do dia a dia. Notaram que existe uma crescente necessidade de fazer drama em tudo? A simples reclamação pelo prato mal preparado no restaurante vira escândalo do tipo Operação Lava-Jato. Chamar o garçom ou gerente para conversar civilizadamente saiu de moda. É preciso demonstrar a “injustiça” perpetrada, mostrar poder, mesmo que seja no grito, para que todos ouçam.
Qualquer revés na vida é considerado uma ofensa que deflagra uma desculpa imediata, lastreada em algum culpado externo. Como escrevi acima, a “terceirização da culpa” impede o aperfeiçoamento humano, a melhoria das relações, o incremento do amor e da educação. É raro encontrar alguém que, ao deitar a cabeça no travesseiro, admite o erro, acorda e pede desculpa à vítima de sua fúria.
Fingir, mentir, maquilar a verdade, manipular versões, reagir com truculência, bater antes de apanhar, dirigir com a raiva de carona. Estes comportamentos estão em todos os lugares. Certamente o leitor lembrou de muita gente do dia a dia. O resultado é um mundo moderno, de comunicação instantânea, densa em agressividade, barbárie em vários quadrantes do planeta.
Tomara que a crise sirva para que possamos enxergar a culpa de cada um a fim de contribuir para melhorar as relações humanas. Do contrário, tenho medo do futuro que nos aguarda.

