Cento e sessenta e cinco quilômetros em sete dias. Esta foi a experiência vivenciada pela arroio-meense Aline Tres, no início de julho, quando fez o Caminho de Santiago de Compostela. Durante sua peregrinação ela compartilhou nas redes sociais um pouco do seu dia a dia.
Da necessidade de se reconectar é que surgiu a ideia de fazer o caminho. “Procurava uma experiência na qual eu pudesse ter uma conexão maior comigo mesma, de presença, de consciência plena, como forma de desenvolvimento pessoal. Optei em fazer o caminho sozinha para que essa conexão fosse ainda maior e para que pudesse estar o tempo inteiro aberta a novos aprendizados. Além disso, procurava um local onde pudesse agradecer tudo o que estava acontecendo na minha vida”
Aline optou pela rota do Caminho Francês, que inicia na cidade de Cebreiro, na Espanha. A escolha do caminho é um processo de autoconhecimento, purificação de valorizar pequenas coisas na vida, de desapego. “O desapego do material e daquilo que pesa no coração – aprendendo a ser feliz com pouco, afinal, você precisa carregar por todo o caminho a sua mochila com as coisas da sua necessidade”.
A preparação de Aline foi basicamente com caminhadas nos finais de semana. Ela frisa que o mais importante desta etapa é a escolha de alguns itens que serão de extrema importância durante a caminhada como bota, mochila, roupas adequadas. Essas dicas estão disponíveis em sites, blogs e relatos de peregrinos que já percorreram o caminho. “A hospedagem pode ser feita em albergues. Há albergues municipais (com custo inferior) e privados. Em geral, os peregrinos optam por albergues coletivos, visando reduzir o custo. Eu fiquei em ambas as opções, e com exceção de um deles, os albergues coletivos são muito bons e organizados”, relata.
Rotina diária, desafios e planejamento dos peregrinos
Os peregrinos seguem uma rotina básica no dia a dia. Acordam cedo, ainda mais nessa época de verão, começam a caminhar, aproveitam as paradas nos caminhos (cafés e bares) para carimbarem suas credenciais, descansar e comer algo, além de claro, largar a mochila. Eles caminham de seis a oito horas por dia, de 20 a 30 quilômetros, dependendo da cidade em que a pessoa vai passar a noite.
“Quando chegam na cidade determinada, procuram um albergue para dormir. Ao chegar, principalmente nos coletivos, devem largar suas botas e tênis numa sala logo na entrada do local (ninguém pode deixar os calçados nos quartos), se acomodam e descansam. Depois saem para dar uma caminhada na cidade, ir ao supermercado, conhecer os pontos turísticos, jantar. Nos restaurantes existe o ‘Menu do Peregrino’, composto por um prato de entrada, prato principal, sobremesa, uma taça de vinho, água e pão por um preço especial. Alguns fazem suas refeições no próprio albergue e é nesses momentos que a interação acontece. Às 21h os albergues fecham e a maioria já está acomodada para uma boa noite de descanso, com o desafio de adormecer num local onde o sol, nessa época, só se põe às 22h30min. No dia seguinte, a mesma rotina”, destaca Aline.
Inúmeros desafios são encontrados durante o caminho. Segundo a arroio-meense, alguns deles são o desgaste físico, albergues compartilhados, dores no corpo, muitas subidas e descidas, a chuva, o calor e principalmente estar em um local desconhecido, com pessoas desconhecidas, o que gera muitas vezes uma insegurança. “É importante entender o que te impulsiona a fazer o caminho, pois o desgaste físico e emocional são grandes e o que te fará concluí-lo será esse objetivo inicial”, salienta.
Durante o percurso Aline encontrou pessoas de todos os lugares do mundo, idade, crenças, religiões, cachorros que acompanhavam seus donos e muitas crianças, adolescentes e idosos. “Não há limites para essa jornada, mas todos passam pelas mesmas dificuldades, recebem e oferecem ajuda. Todos com o mesmo objetivo, chegar a Santiago de Compostela. No caminho há um senso de humanidade que me impressionou. Todos os peregrinos se apoiam, falam palavras de incentivo, te ajudam com pequenos gestos. Essa ajuda também é compartilhada pelas pessoas dos albergues, dos cafés, farmácias, das cidades por onde se passa”.
No quesito planejamento, Aline frisa que é necessário fazer a escolha de qual trajeto percorrer, de qual cidade começar e organizar o que levar. O calçado e a mochila são os itens mais importantes. “A maioria dos peregrinos carrega a sua própria mochila. A minha pesava 7 kgs e eu a carreguei por todo o caminho. Por isso a importância do planejamento, uma vez que é necessário escolher as coisas certas para levar. Esse serviço também pode ser contratado por empresas da região, para que você não precise carregar suas coisas e ter esse desgaste extra. O caminho é todo sinalizado por setas amarelas, que te dão a direção do trajeto a ser percorrido e as distâncias faltantes até Santiago. Essas setas estão por todas as partes e não é necessário se basear por mapas ou GPS”.
“A chegada em Santiago é um dos momentos mais emocionantes”
Desde o início Aline compartilhou nas redes sociais um pouco do seu dia a dia, desafios e lições que o caminho a proporcionou. Os relatos se transformaram em retornos emocionantes de pessoas que se identificavam com o processo, que se interessaram em fazer o caminho também, e outras que apoiaram com palavras de incentivo.
“A chegada em Santiago é de fato um dos momentos mais emocionantes. A catedral é incrível e há muitos peregrinos chegando a todo instante na cidade. Se aglomeram em frente à catedral, tiram fotos, rezam, agradecem. Todos os dias é celebrada uma ‘Missa do Peregrino’ para dar as boas-vindas às pessoas que chegam dos mais diversos lugares do mundo e que percorreram vários quilômetros até a catedral. O símbolo oficial do caminho é a vieira (concha) que as pessoas compram na cidade em que iniciam a caminhada, amarram em suas mochilas ou carregam no pescoço até o fim da jornada. A vieira é o símbolo de todos os aprendizados que a pessoa vai adquirindo durante o caminho. Depois da chegada dos peregrinos em Santiago, muitas pessoas ainda vão até a cidade de Finisterra (o fim da Terra, segundo os antigos), para jogar sua concha ao mar, simbolizando que todo o conhecimento adquirido durante o caminho não é somente nosso e que deve ser compartilhado com o mundo. Eu fui de ônibus até essa cidade para fazer o ritual e fiquei impressionada com a beleza do local. De fato, parece que a Terra acaba lá, pois o local é considerado como o ponto mais ocidental da Espanha e o horizonte parece ser infinito naquele extremo do cabo”, finaliza.
Sobre o caminho – O Caminho de Santiago de Compostela é formado por um conjunto de rotas situadas na Europa. Declarado como patrimônio da humanidade da Unesco, é a peregrinação mais tradicional e conhecida do mundo, uma vez que seu trajeto é datado desde a Idade Média. O caminho leva o peregrino até a catedral onde está o sepulcro do apóstolo Tiago. As rotas são feitas pela preferência e disponibilidade de cada um. Para ganhar a COMPOSTELA (certificado do caminho) é preciso fazer mais de 100km a pé ou mais de 200km de bicicleta. Para receber a COMPOSTELA é necessário pegar a Credencial do Peregrino, que é entregue nas igrejas das cidades e carimbá-la por todo o caminho. É necessário que se tenham mais de dois carimbos por dia, registrando os locais em que o peregrino passou. O carimbo (selo) é encontrado em bares, cafés, igrejas e albergues em todas as localidades que o peregrino passar, até a chegada em Santiago. A rota mais popular e com maior estrutura para receber os peregrinos é o caminho francês, que tem início na cidade de Saint-Jean-Pied-de-Port, na França, totalizando 800kms até Santiago, que podem ser percorridos em pouco mais de 30 dias.
Apesar de ser um caminho historicamente católico, não são somente religiosos que o percorrem. Há peregrinos do mundo todo, crenças e religiões que o fazem pelos mais diversos motivos, promessas, agradecimentos, desafios físicos, superação. E independente do motivo, o objetivo é sempre o mesmo, chegar até a catedral de Santiago de Compostela.