A falta de demanda do varejo doméstico aliada à queda nas exportações, em função do alastramento da pandemia da covid-19, tem provocado uma onda de demissões no setor calçadista brasileiro. Números atualizados pela Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados) apontam que, do final de março até o dia 19 de maio, foram desligados 32,8 mil trabalhadores no setor, mais de 12% do total empregado na atividade (269 mil pessoas, em dezembro de 2019).
Os estados que mais demitiram na atividade foram São Paulo (10,16 mil demissões), Rio Grande do Sul (8,93 mil demissões) e Minas Gerais (5 mil demissões). Os estados do Nordeste somam 6,12 mil desligamentos no período.
O presidente-executivo da Abicalçados, Haroldo Ferreira, ressalta que o fato de o varejo físico estar fechado, ou com restrições, na maior parte do país, é o principal motivo para o quadro. “O setor já está prevendo uma queda de até 30% na produção de calçados, o que significa mais de 260 milhões de calçados que não serão produzidos neste ano. Voltaremos ao patamar de 16 anos atrás”, lamenta, ressaltando que a entidade defende o retorno gradual, e seguro, às atividades do comércio.
Segundo o dirigente, como o mercado doméstico responde por mais de 85% das vendas do setor, o impacto é devastador para a atividade. “Com o varejo fechado não existem novos pedidos e a indústria não tem o que produzir. O resultado é esse quadro, de colapso econômico, que vem acompanhado da sua faceta mais cruel, que é o desemprego”, conclui.
Além da queda no mercado doméstico, que foi de quase 40% em março, no comparativo com o mesmo mês do ano passado, o revés nas exportações piorou o quadro. Em 2020, conforme a Abicalçados, os embarques devem cair entre 22,4% e 30,6%, ante 2019, fechando entre 89 milhões e 80 milhões de pares vendidos no exterior, pior resultado desde 1983.
AT – Temos visto que muitas fábricas e ateliês aderiram à suspensão dos contratos de trabalho previstos na MP 936. O senhor acredita que estas medidas do Governo Federal são suficientes para manter postos de trabalho e as fábricas em funcionamento?
Presidente-executivo da Abicalçados, Haroldo Ferreira – Desde o início da pandemia, especialmente a partir da segunda quinzena de março, a Abicalçados mantém uma pesquisa junto às empresas. Essa pesquisa aponta que 67% das indústrias respondentes adotaram medidas permitidas pela MP 936, como forma de tentar manter os empregos. A mais utilizada é a redução da jornada de trabalho, com redução salarial correspondente, seguida da suspensão de contratos e férias coletivas. A medida ajudou, e segue ajudando a manter postos, mas é paliativa. Sem demanda, logo mais a empresa não conseguirá segurar os empregos. Hoje, o maior problema do setor está na ponta. Com o varejo fechado ou com restrições de funcionamento na maior parte do país, simplesmente não surgem novos pedidos. A indústria não tem o que produzir. A situação é muito grave. Diante disso, defendemos o retorno gradual, e seguro, do varejo brasileiro, que hoje comercializa mais de 85% da produção nacional de calçados.
AT – As indústrias terão fôlego para retomar as atividades num cenário econômico desfavorável? Os senhor acredita na recuperação do setor?
Haroldo Ferreira – O cenário, como colocado, é muito grave. Desde o agravamento da pandemia no Brasil, já perdemos mais de 32 mil postos, algo em torno de 12% da nossa força de trabalho. O setor costuma responder relativamente rápido às retomadas da economia, porém não estamos vislumbrando um novo horizonte a curto prazo. Infelizmente, ainda vamos sangrar muito antes de iniciar a esperada retomada. A previsão para este ano é de uma queda de até 30% na produção nacional de calçados.
AT – O dólar alto é tido como uma oportunidade para quem exporta. Qual o impacto da pandemia nas exportações de calçados? O dólar reflete também na matéria-prima?
Haroldo Ferreira – Costumo dizer que o melhor dólar é o estável, é o equilibrado. A cotação de hoje é totalmente irreal e um reflexo direto da pandemia nas principais economias do planeta. Certamente, o dólar em patamares mais elevados ajuda a indústria exportadora, pois melhora a rentabilidade em reais. Por outro lado, prejudica o setor que importa matéria-prima, além de pressionar – e muito – a inflação. É uma via de mão dupla, por isso o ideal é um dólar equilibrado e estável, que dê segurança tanto para o exportador quanto para o importador.
Mesmo com o dólar no patamar atual, para se ter uma ideia, vimos as exportações de calçados despencarem, pois existe um enfraquecimento na demanda internacional. Assim como no mercado interno, os consumidores estão dando prioridades a compras de produtos essenciais, como alimentos, remédios, etc. Além disso, muitos países seguem com fronteiras fechadas ou com sérias restrições ao comércio internacional. Em abril foram embarcados 4,84 milhões de pares por US$ 30,3 milhões, quedas de 40% em volume e de 60,8% em faturamento, na relação com o mesmo mês do ano passado. Com o resultado, no quadrimestre, as exportações somaram 36,87 milhões de pares e US$ 271,2 milhões, quedas de 14,4% em volume e de 21% em faturamento na relação com o período correspondente de 2019.
