Era um antigo casarão típico das famílias uruguaias em décadas passadas de maior riqueza. O estilo clássico, o interior de peças amplas e móveis de madeira maciça formavam um conjunto imponente e acolhedor. As portas imensas abriam-se para a sala de jantar e um gracioso jardim de inverno. Em outra extremidade, o escritório com paredes forradas em couro. Mais adiante, a biblioteca. Que espaço magnífico!
Os livros exploravam os limites do teto e da imaginação. Centenas de publicações organizadamente catalogadas. Romances, bibliografias, enciclopédias, dicionários e almanaques centenários. Milhares de palavras transformando as estantes em tesouros de conhecimento.
Estrategicamente disposta junto a janela, uma poltrona de veludo verde musgo convidava a leitura. Ela simplesmente não acreditava naquele momento perfeito. E mais impressionante ainda a casa fora comprada pelo marido. Por que o Uruguai? Talvez a identidade cultural com o pequeno e simpático país vizinho.
Fazia planos de pequenas alterações, onde colocar mais quadros e esculturas e, foi assim que percebeu uma estranha movimentação atrás de um móvel. Era um rato! Nem teve tempo de gritar, de repente outras tantas ratazanas surgiam entre frestas e cortinas. Tão habituados estavam com a casa que sequer fugiam das pessoas. Assustada passou a calcular quanto gastaria para eliminar aqueles detestáveis inquilinos.
Tudo em sua vida sempre exigia mais trabalho. Não conseguiria concentrar-se em nada mais. Marido, móveis e decoração, apenas naqueles roedores que surgiam de todos os cantos. Assustada correu em direção a porta e, neste momento, um som estridente, muito alto, a assustou.
Eram 6h30min de sábado! Ela acordava de um sonho que se transformara em pesadelo. Tudo parecia real demais. Existiria aquela residência, em alguma discreta cidade do interior uruguaio? O marido, é claro, ironizou, ao afirmar que até em sonhos presenteava coisas lindas que, no fundo, carregavam problemas que ela sempre corrigia.
Ela evitou uma avaliação psicanalítica do sonho. Os ratos saindo de porões e armários. Preferiu a opinião de uma amiga de que ratos, por proliferarem rapidamente, deveriam significar dinheiro. E a tal casa, quem sabe não seria aqui mesmo no Brasil, em uma cidade do interior, onde ambos pudessem alternar com o apartamento na cidade? À noite, voltou a dormir e desta vez não sonhou com casas ou ratos.
O marido não pregou o olho. Será que tudo que entregara até agora no relacionamento fora carregado de imaginários bichos nojentos como os tais ratos do sonho? Ela seria a faxineira dos projetos que tentavam dividir? Quem sabe por isso estaria extenuada e distante. A proposta de uma vida saudável a dois ficaria como? Estavam próximos de uma aposentadoria. Deprimido, somente dormiu ali mesmo, no sofá, após algumas taças de vinho.
Sonhou que viajava em um imenso ônibus de turismo e, da janela, avistava um imenso e ensolarado deserto. Olhou para trás e percebeu centenas de ratazanas mortas na estrada. Acordou suando. A boca seca exigia água. Após a ducha de água morna, voltou à sala onde uma antiga comédia romântica o permitiu embalar um sono sem sonhos. Quem sabe, enquanto isso, antigas culpas tentavam inutilmente ocultar aqueles bichos escrotos do cotidiano. Igual a todos nós, ou estou muito errado?