Arno e Jaci Schmitt: é bom viver na simplicidade e em meio à natureza

No município de Capitão, a localidade de Picada Centro, localizada entre as áreas de São Luís e Marinheira, a cerração nas manhãs de inverno, é tão concentrada que impede de ver o que está poucos metros à frente. O frio faz soprar um vento gelado de quebrar o queixo.
Foi numa manhã destas que visitei Arno Schmitt (84) e sua esposa Jaci (81), moradores de Picada Centro, e de longa data, leitores assíduos do jornal O Alto Taquari.
Ali, é diferente de tudo. Impera o aroma da natureza, um silêncio absoluto quebrado apenas pelos sons que a própria natureza emite. Flores, folhagens e frutíferas em todo entorno do chalé de madeira localizado na encosta do terreno, abaixo do nível da estrada passando quase despercebido por quem eventualmente faz o trajeto. Conforme dados repassados por Isolete Fuchs, agente de Saúde de Capitão, ali residem 12 famílias.
Arno Schmitt nasceu ali, nunca morou em outro local. Jaci, natural de Travesseiro, fixou raízes na propriedade ao casar-se com Arno.
Nasceram os filhos, Inês (59) e Paulo (57) e numa família que não possui automóvel para ir e vir a qualquer lugar que seja, o jeito é caminhar, e muito. Morro acima, depois, morro abaixo, até a escolinha mais próxima, à bodega, quando era necessário comprar um ingrediente que fazia falta na cozinha. Visitar parentes e amigos ou mesmo ir na casa da mãe que residia em Travesseiro. Eram 10km de morro, duas horas de caminhada carregando nos braços o bebê e uma sacola. O outro filho seguia caminhando do lado, o trajeto era puxado, mas um passeio com aventuras.
À medida que as crianças cresciam, auxiliavam os pais nos trabalhos, no cultivo de milho e animais domésticos. A ordenha das 4 ou 5 vacas, era manual, e para o leite chegar até o leiteiro, era colocado dentro de baldes, conduzido até um ponto da estrada para ser recolhido pelo leiteiro. Nos dias de muita chuva, a terra argilosa impedia o caminhão de chegar próximo ao local, facilmente atolaria no barro. Diante do obstáculo era preciso andar 1 km morro abaixo, até Picada Café, somente neste ponto da estrada o leiteiro recolheria o leite.
Na vida do colono, pouco muda de propriedade para propriedade, muda a localização da área, a geografia do terreno, a quantidade e diversidade de serviços, mas a forma de trabalhar é quase sempre a mesma, ou semelhante. Na propriedade do casal Schmitt, nada de trator ou maquinário, a terra era lavrada com uma junta de bois, ou vacas, guiados geralmente por Arno.
O tempo passou, os filhos cresceram e tornaram-se independentes.
Arno e Jaci completaram 50 anos de casados, e a data os fez mudar hábitos. Diminuíram o ritmo e a quantidade de serviços, prestam atenção à saúde e respeitam os limites do corpo.
Gradativamente foram se desfazendo dos animais e hoje possuem 12 galinhas poedeiras que juntas produzem cinco dúzias por semana, com comprador certo. Doze garnisés (1 macho), sete gatos que tratam com ração (gastam cerca de R$ 200), assim não tem problema com ratos e camundongos que antigamente fizeram muitos estragos…
Levam uma vida como planejaram: juntos e sem pressa ou preocupação com o relógio. Continuam acordando cedo todos os dias, ligam o rádio, este os acompanha durante o mate doce, todos os dias antes mesmo do café da manhã que compartilham entre 8h30min e 9h. Na sexta aguardam ansiosos pelo jornal.
Durante boa parte da manhã, Jaci fica na casa, os afazeres de dona de casa sempre são muitos. Ela faz questão de preparar um bom almoço. “Arno vai fuçar na estrada, arrancar inço, juntar as laranjas e frutas que caem pelo chão e joga no potreiro. Depois do almoço gostamos de descansar por duas horas”, disse.
A horta caseira sofreu muito com os estragos das chuvas de maio do ano passado. “Aqui é alto, não chega enchente, mas o excesso de chuvas fez boa parte da estrada e o barranco, virem abaixo, trazendo todo mato e pedras que nem sabíamos existir neste chão. A Secretaria de Obras aqui do município (Capitão) ajudou a retirar todo o material. O deslizamento danificou a horta que aos poucos está sendo colocada em dia. Colhemos de tudo e este ano a geada sapecou as bananas, colhíamos dezenas de cachos e por enquanto a produção está bem comprometida”, disse ela. O casal sabe que a natureza faz destas coisas. Comentaram que algo semelhante aconteceu há muito tempo. Na época levou até ponte em Picada Café, na terra do vizinho (tio do casal). A água chegava nas casas dos moradores, canalizada por meio de canos feitos com pau de palmito/taquara/bambu, era comum entupir com folhas, pedrinhas e sujeira, “estes canos” desciam entre o mato, era preciso toda hora limpar e desentupir para liberar o curso da água nos canos. Na época tudo ficou soterrado com o desmoronamento.
O casal aguarda ansioso pela sexta-feira, afinal, é dia de receber jornal, e com ele, notícias, informações, fotos coloridas e entrevistas com pessoas que conhecem, inclusive de Capitão. Nada escapa à leitura pausada e detalhista, nem mesmo as propagandas, gostam de estar bem informados.
Arno e Jaci tem um hábito, de certa forma até comum nas famílias que residem no interior e tem fogão à lenha: guardar os exemplares, após a leitura, possuem um estoque de jornais. Na moradia, volta e meia os jornais antigos são folheados novamente, algumas matérias despertam interesse e são relidas ali na portinha do fogão, antes de virarem cinzas.
Sobre Picada Centro, lembram com saudade dos vizinhos, Élio e Alice Zanotelli, jogavam cartas, pelo menos duas tardes por semana, também se ajudavam em alguns serviços e até carneavam porcos juntos. ‘’Com o falecimento da Alice, paramos de jogar”, disse.
A vida segue seu curso normal, são felizes e apreciam o simples, sem pressa. Gostam de estar com os filhos e netos, adoram dançar nas tardes de sexta-feira (2 x ao mês) na Linha Zanotelli entre amigos que também participam do “Projeto de Danças Mais Capitão”, coordenado pela professora Ângela, do CRAS. Integram ainda o Grupo de Idosos Juntos Venceremos de Picada Café, apreciam os bailes e nunca perdem o evento de fim de ano.
Longevidade ao casal Schmitt, nossos leitores de tantos e tantos anos.