Acompanhe nosso bate-papo com a psicóloga Bernardete Pretto e entenda que o ritmo e o tempo de cada criança são singulares e devem ser respeitados.
AT – Quais seriam as possíveis causas da enurese noturna?
Psicóloga Bernardete Pretto – Geralmente, as causas da enurese noturna em crianças envolvem alguma questão de ordem fisiológica que pode e deve ser avaliada por um médico. Normalmente, não é algo grave e existem medicações que auxiliam na obtenção do controle da urina. No entanto, existem situações em que ela se manifesta associada a um fator de ordem psicológica. Nestes casos, as causas podem ser, por exemplo, a vivência de uma experiência traumática para a criança e que a leva a regredir em aquisições que ela já teria, situações de insegurança, medos, mudanças ou até mesmo o nascimento de um irmão/irmã e que também podem provocar uma regressão. É importante entender que a aquisição do controle esfincteriano é um fato de grande importância na vida da criança, que envolve a conquista da autonomia e de uma independência que também dependem de um bom desenvolvimento emocional. Por isso, perturbações nesta área são frequentes e o ritmo e tempo de cada criança são sempre singulares e devem ser respeitados.
AT – A partir de que idade, geralmente, as crianças conseguem ter um controle sobre a urina durante a noite?
Bernardete – Até a idade de três a quatro anos, espera-se que a criança já tenha conseguido este controle. A partir dos cinco anos, pode-se falar em enurese noturna, segundo especialistas da área infantil. Entende-se que, nesta idade, o organismo da criança já possua condições de lidar com este controle. Para a psicologia, a questão aí envolvida é que emocionalmente a criança já teria vencido etapas anteriores do seu desenvolvimento psíquico, que lhe permitem vivenciar sua autonomia com tranquilidade. Sabe-se que há um tempo para a criança aprender este controle. Quando é exigida muito cedo, pode vir a apresentar problemas de ordem psicológica que influenciarão sua vida, inclusive na fase adulta.
AT – Deixar uma luz acesa no corredor (no caso de a criança querer ir ao banheiro durante a noite) é recomendável?
Bernardete – Acredito que este recurso, assim como alguns outros, podem, sim, ajudar a criança. Isso porque ela até pode perceber a necessidade de fazer xixi e acordar, mas não sentir-se encorajada a levantar por medo do escuro. Dependendo da idade da criança, também é necessário que, além da luz acesa, os pais possam auxiliá-la a ir até o banheiro. Mas esta é uma questão de bom senso dos pais, no sentido de perceber até onde a criança é autônoma ou não.
AT – Além de não oferecer muito líquido à criança à noite, que outras medidas dos familiares podem auxiliar nesse momento?
Bernardete – Para muitas crianças, criar um quadro de compensações, ou seja, fazer um acompanhamento de quando ela fez xixi e quando não fizer dar-lhe algo (alguma coisa que seja previamente combinada com a criança), pode ajudar. Esta estratégia trabalha com a ideia do reforço positivo, ou seja, a criança se sente estimulada a buscar um controle maior por ela mesma. Outra possibilidade é criar rotinas para levar a criança uma ou duas vezes por noite ao banheiro, evitando então que ela molhe a cama e passe pelo desconforto (para ela e para a família) de ter que trocar toda a roupa de cama e a roupa dela. Penso que também auxilia o fato de poder ter tranquilidade ao lidar com a criança e não fazer julgamentos que a desqualifiquem e façam-na sentir-se mal consigo mesma.
AT – O que deve ser dito quando uma criança faz xixi na cama e sente-se envergonhada ou até culpada por isso? Como proceder?
Bernardete – A vergonha e/ou a culpa normalmente são decorrentes da forma como os adultos ou pessoas próximas lidam com a criança. Às vezes acontece também de alguma criança, amigo, descobrir que ela faz xixi na cama e então passar a incomodá-la. Nesses casos, sempre é importante trabalhar a autoestima da criança, explicando-lhe que isto é algo que acontece com muitas crianças, que não é algo “feio” nem ruim, mas sim uma circunstância do desenvolvimento. Crianças mais tímidas podem ter mais dificuldade de posicionar-se a este respeito, quando provocadas. Então, os pais devem ficar atentos para observar se ela não irá desenvolver sentimentos de tristeza e culpa. Por isso, sempre que os pais notarem que está se criando um problema em torno desta questão e que eles não conseguem resolver, devem procurar ajuda de profissionais. Os profissionais da psicologia podem ajudar muito, tanto a criança quanto as famílias.