Antigamente, nos tempos de infância em Pelotas, Sônia admirava a bravura dos domadores de leão. Corria aos circos, buscava a alegria dos palhaços, mas morria de medo com as chicotadas diante dos passivos animais. Feras domesticadas. Agora, impressionada com a violência das cidades, lidar com leões de circo parece-lhe coisa de criança. “Difícil é sair de casa e adestrar as feras que rondam nas ruas da cidade”, me dizia na semana passada. Aos 67 anos, passou por momentos de terror há poucos dias quando, dentro de um microônibus locado – esses de turismo – sentiu-se enjaulada por um jovem armado e drogado que a utilizou como “comparsa” no saque aos passageiros. Mal entrou no ônibus, a “fera”, como Sônia descreve o adolescente, sacou sua arma e mandou todo mundo “ficar quieto, sem escândalo” que assim, voltavam para casa.
E gritou para ela, que se encolhia no banco: “te mexe, veterana”, e lhe passou uma sacola de supermercado para recolher os objetos furtados. Constrangida, a Sônia passava a sacola por entre bancos, a arma do marginal apontada para ela. Foram 16 telefones celulares, mais de 20 relógios, carteiras com dinheiro e documentos. Isso até chegar próximo a um senhor, um pouco mais jovem do que ela, que se descontrolou e passou a chorar. Foi aí que a “fera” enlouqueceu. Aos berros se botou para cima daquele senhor. Na primeira coronhada, o sangue brotou no lugar das lágrimas e a Sônia pensou que tivesse morrido.
Em seguida apontou o revólver para outra senhora, “éramos na maioria gente de terceira idade que costuma andar junto em passeios”, explica a Sônia. E certa que chegara a sua hora, agarrou-se no braço daquela fera enlouquecida e implorou em nome de Deus que pegasse o que havia conseguido e os deixasse em paz. “Ele rugia, transpirava álcool e seus braços tomados de caroços típicos de picadas de agulhas, tremiam”, lembra. No desespero, colocou todo dinheiro que tinha na bolsa. Eram os presentes dos netos, as encomendas da filha mais nova.
Foi o que bastou para saciar o animal que os ameaçava. “Só tive certeza que amansara a fera quando o jovem saiu porta afora, rindo de nós”, lembra. A Sônia sentiu-se indefesa: na selva de pedra, o lugar deste tipo de fera deveria ser atrás de grades, “mas está acontecendo justamente o contrário. Nós a cada dia mais presos e os bandidos, livres”. Não existem domadores de gente. E as cadeias não domesticam, ao contrário, dão mais força à fúria assassina destes marginais.
Portanto, o importante é estarmos sempre atentos. Este período de férias é especialmente perigoso. Bandidos abandonam seus redutos e buscam vítimas na praia, nas estradas.