Tudo parecia dar errado na vida de RD que havia decidido dar um jeito na incômoda situação “sumindo do mapa”. Não suportava mais a mulher segurando as despesas da casa e preocupada com seu desânimo. Assim, como fazia todo dia, saiu cedo para conferir ofertas de emprego e rumou para o centro de Porto Alegre. Início de ano, tempo seco, desconfortável. Aos 46 anos, já fizera de tudo na vida: fora cozinheiro profissional, garçom e nos últimos anos, gerente de banco. Mas agora sentia-se velho, inútil e incompetente para retomar um emprego que rendesse tanto. Por isso, pensava em “desaparecer”. Mas, ao cruzar o Largo Glênio Peres – ali ao lado do Mercado Público, deparou-se com uma cena inesquecível que mudou o rumo de sua caminhada.
Deprimido, RD caminhava de cabeça baixa, fitando os pés, tentando chegar o mais rápido possível à rodoviária onde pegaria um ônibus “para qualquer lugar”. Pensava em alguma cidade do Vale do Taquari, onde talvez, sua experiência em cozinha industrial pudesse ser útil. Deixaria a mulher e a vida sofrida, transformando-se em mais um desses que somem de uma hora para outra. De repente, o som aconchegante de música suave chamou a atenção deste meu conhecido.
Numa das extremidades do Largo, avistou um violinista que executava uma canção romântica muito bonita. A poucos metros uma cena ainda mais tocante: um casal de mendigos dançava. Compenetrados, com suas roupas esfarrapadas em plena harmonia. A cidade seguia seu ritmo matinal, mas o som do violino adornava a rotina, a miséria daqueles improvisados dançarinos e própria infelicidade de RD em tons de esperança e alento. A medida em que se aproximava, percebia não estar no fundo do poço como imaginava. Na verdade, a vida exigia novos rumos “que o orgulho e a depressão cegavam”, me confessou.
Os mendigos se foram, e RD aproximou-se do músico. “Ele vendia seus discos e comprei um. A moça que o auxiliava, disse que muitas pessoas agradeciam a paz que o músico transmitia. E isso era a motivação maior do instrumentista. Motivado, RD trocou a rodoviária por uma visita a casa dos pais onde aceitou uma antiga proposta para trabalhar na lanchonete da família: “Se ele que é um músico brilhante toca na rua para gente humilde, porque eu não poderia aceitar algo teoricamente de menor importância?” Por isso, a música daquela manhã acabou por representar a reconciliação de RD com a vida, “com minha família e principalmente, comigo mesmo”, disse, enquanto aguardávamos atendimento em uma das bancas do Mercado. Às vezes, quando tem uma recaída, diz que ouve o CD e lembra dos mendigos a dançar. “Eles tinham uma alegria única nos olhos. “É a melhor pílula que tomo contra a depressão que também comecei a tratar”, garante.