Nunca gostei de baile de carnaval. Aquele suador, o pessoal pulando, caindo de bêbado e gritando as letras mais estapafúrdias que se poderia ouvir. Meu negócio era rock e bossa-nova. E nas rádios, só marchinha. Porque sou do tempo em que se compunha música de carnaval. E aí, o Allah-La-Ô substituía o Iê-Iê-Iê. Era um tal de “olha a cabeleira do Zezé, será que ele é…” Eu cabeludo não era e tinha de aguentar as piadas sem graças dos mais velhos e carecas caretas.
Desfile de rua ainda me agradava, ensaio de escola de samba, mais ainda. Ali estava a essência! A magia do ritmo e, para um adolescente, a ginga sensual das mais lindas mulheres da face da terra. Foi nessa época, lá no início dos anos 70 que meu pai me presenteou – todo contente – convites para o baile em um tradicional clube de Porto Alegre. Com dinheiro contado, nenhuma possibilidade de fugir para uma praia qualquer e acabei aceitando, muito a contragosto.
De repente lá, estava eu, hidratado a água mineral e refrigerante assistindo aos doidos, ao som de uma banda mais doida ainda. Tudo mudou quando percebi que na terceira volta daquela dança quase hipnótica, em círculos, percebi uma loirinha de olhos claros em uma minissaia colorida. Aliás, ela me percebera antes e assim, na quarta volta me aliei à turma de foliões. Era carnaval, ora. E de mãos dadas com a menina, vivi um memorável carnaval. Sem nenhum álcool, beliscando batatas-fritas e muito bem-acompanhado. Vivi meu momento arlequim e colombina, graças a um baile de carnaval.
Não voltei aos bailes. Preferia mil vezes acompanhar os mais humildes desfiles de rua, ou fugir para um sítio do que a lambança quase selvagem dos clubes. Minha colombina, amor de carnaval, se desmanchara no confete do cotidiano, deixando uma saudade gostosa de beijos e carinhos urgentes, suados. Como dizia a marchinha “se a canoa furou, deixa virar,” foi por causa de alguém que não soube remar. E tomar “todas”, não vai apagar o que afoga a alegria nas águas da insatisfação.
Fugir de casa e voltar na quarta-feira de cinzas, pior ainda. O que é ruim piora. Certa vez, uma amiga, com um casamento de sete anos aproveitou que o marido estava no exterior e caiu na folia. Aprontou e voltou para casa cheia de culpas. Pior, bêbada, entregara cartão com endereço e telefone para o estranho com quem pulara uma noite inteira. É claro que deu problemas. O casamento já não estava lá grande coisa, acabou sem bandeira branca e ela, com a imagem enxovalhada de “mulher casada, que fica sozinha. É andorinha, é andorinha”. Só para encerrar com a profética marchinha dos velhos tempos.