São poucos os que não se emocionam ao ouvir a expressão amigo de infância. Ah, e como eles eram importantes, inesquecíveis mesmo. Por isso questionamos a psicóloga Ivone Brito para falar da importância que os amigos na infância exercem na formação de nossas crianças.
AT – A partir de que idade, em média, a criança percebe que é um ser social, ou seja, que está em contato com outras pessoas?
Psicóloga Ivone Brito – A partir dos três, quatro anos de idade as crianças começam a desenvolver aspectos básicos de responsabilidade e de independência, fase preparatória para o próximo estágio da infância e os anos iniciais de escola. As crianças desta faixa etária, geralmente, são bastante ativas, constantemente explorando o mundo à sua volta, elas passam a aprender que na sociedade existem coisas que eles podem ou não fazer.
Nesta faixa etária, a criança já compreende melhor o mundo à sua volta, tornando-se gradualmente menos egocêntrica e começa a compreender que suas ações podem afetar as pessoas à sua volta. Também que outras pessoas possuem seus próprios sentimentos. Desta forma, as crianças pouco a pouco aprendem sobre a existência de padrões de comportamentos. Nesta idade, ocorre o processo chamado identificação. As crianças começam a se identificar com outra pessoa por vários motivos: laços de amizade (um amigo ou uma pessoa próxima como outro parente ou uma babá, por exemplo) e semelhanças físicas e psicológicas. Também a partir dos três anos de idade, as crianças passam a ver diferenças entre pessoas do sexo masculino e feminino, tanto nos aspectos físicos quanto nos aspectos psicológicos, como os estereótipos dados a ambos os sexos pela sociedade (exemplos: menino brinca com bola, menina brinca com boneca).
É de extrema importância destacar que os pais são os principais modelos da criança nesta faixa etária, portanto, é fundamental que o núcleo familiar esteja bem estruturado.
AT – Qual a importância da socialização na primeira infância e como ela pode influenciar na vida adulta?
Ivone – Os amigos desempenham um papel fundamental no desenvolvimento social das crianças. Através da brincadeira ela aprende a ganhar e a perder, descobre a diferença entre o certo e o errado, passando a compreender o ponto de vista dos outros. A relação com o meio não pode estar limitada aos pais e familiares próximos. É necessário deixar a criança conviver com outras crianças, mais novas e mais velhas. Esta interação com as diferentes faixas etárias é fundamental para o processo de diferenciação e, por consequência, para a construção do eu. Devido à convivência, a criança pode ver-se através do outro, em termos físicos, como também no que refere à personalidade. Permitindo a ela conhecer vários modelos de relações, poderá estabelecer mais tarde, na idade adulta, uma boa socialização aprendendo desta forma a respeitar e conviver com as diferenças.
AT – Que atitudes de pais e familiares contribuem para uma socialização saudável?
Ivone – Uma boa atitude dos pais para contribuir com uma socialização saudável é proporcionar aos filhos atividades ao ar livre, a ida frequente ao parque infantil, nos brinquedos e durante as brincadeiras a comunicação é facilitada entre os mais novos. Lembrando que os filhos se espelham nos pais, dar um bom exemplo, convidando seus amigos para algum convívio, um jantar na casa com um casal que também tenha filhos promovendo relações de amizade deles e suas. Assim, a criança vê como os pais se divertem com outras pessoas e percebe como é bom ter amigos.
AT – A ida para a escola promove a ampliação do círculo social da criança, até então restrito a familiares e amigos da família, correto? Como deve ser esse processo?
Ivone – Na maioria dos países, crianças precisam ir à escola geralmente a partir do sexto ou do sétimo ano de vida. Atualmente, no Brasil é obrigatório que os pais levem as crianças para a escola a partir dos cinco anos de idade. Nesta faixa etária, regras básicas da sociedade são bem compreendidas. Aqui, é dada ênfase à capacidade de resolução de problemas, uma habilidade que é aperfeiçoada com o passar do tempo. Após o quinto ou o sexto ano de vida, a criança passa a procurar por diversas soluções, e a reconhecer a solução correta ou aquela que mais se aplica. Por volta dos sete ou oito anos de idade, ela passa a racionalizar seus pensamentos e suas crenças, procurando as razões, os porquês por trás de um problema ou de um fato. Assim, as próprias crianças passam a analisar os padrões de comportamento ensinados pela família e sociedade. Além disso, a partir dos seis anos de idade, as crianças passam a se comparar com outras crianças da mesma faixa etária. Estes dois fatos, aliados ao crescimento da vida social da criança, diminuem a importância dos pais e da família como modelos de comportamento da criança, e aumentam a importância dos amigos e dos professores. Importante que durante este processo os pais e professores devem respeitar o desenvolvimento da criança, estimulando-a a aprender sem queimar etapas, ou seja, não antecipar a aprendizagem e não exigir demais da criança.
AT – Em que medida a maneira como se relaciona com colegas e professores pode revelar possíveis abalos emocionais? Como os pais devem agir? A orientação de um psicólogo ou terapeuta sempre é necessária?
Ivone – A comparação que uma criança faz de si mesma com outra pode afetar sua autoimagem e sua autoestima – a percepção que tem de si mesma. O tipo de autoimagem formada durante a infância pode influenciar o comportamento desta pessoa na adolescência e na vida adulta. As crianças passam a desenvolver a autoimagem após os três anos de idade, à medida que as crianças se identificam com seus pais, parentes, e posteriormente, pessoas próximas. Esta autoimagem pode ser positiva ou negativa, dependendo das atitudes e das emoções das pessoas com as quais se identificam. Crianças com autoimagens positivas geralmente possuem boas impressões de seus pais e uma ativa vida social; por outro lado, autoimagens negativas costumam ser fruto de famílias disfuncionais, em que o relacionamento entre seus membros é problemático. Além disso, vários outros fatores podem influenciar o comportamento de uma criança, como abuso infantil, problemas sóciopsicológicos (vítima de agressão na escola, por exemplo) e eventos marcantes (perda de um parente ou amigo, por exemplo). Os pais possuem um papel fundamental no desenvolvimento psicológico da criança, além de serem os responsáveis pela sustentação, devem ficar atentos a qualquer comportamento que possa estar atrapalhando a criança em seu desenvolvimento normal. Quando necessário, procurar orientação de um psicólogo para avaliar possíveis problemas emocionais e/ou transtornos.