“Te perdoo
Por contares minhas horas
Nas minhas demoras por aí
Te perdoo
Te perdoo porque choras
Quando eu choro de rir
Te perdoo
Por te trair” (Chico Buarque)
Atendeu ao telefone e a voz que ouviu – inacreditável – era dele. Aquele flerte que não convencera e nem permitira nenhuma conclusão do tipo, bom ou ruim, com a mesma voz sedutora, convidava-a para um café. O chão tremeu a seus pés, os olhos enxergaram mil possibilidades, mas como tudo na vida a razão fulminou-lhe a fantasia que se formava. Homens! No momento mais carente de sua vida, ele sequer dera retorno às suas ligações. Agora estava casada, ou quase isso: um gostoso feijão com arroz, dizia. E ele a sugerir “café com sonhos”. Pé no chão, guria! Com esforço, voltou ao trabalho.
Nestas horas gostaria de ter o pragmatismo masculino, que separa sexo e amor e não enfrenta tantas culpas. Conhecia o perfil meio cafajeste deste que lhe voltava a assediar. “Ele sabe que estou em uma relação legal. Ou seja, sem carências. Mas também está consciente de que me atraía muito. Aquela coisa química. Daí… Mas não cederei!”. E foi assim, boa menina, que voltou para casa. À noite, ajeitou-se carinhosamente nos braços de seu amado. A tentação do ocorrido horas antes misturou-se ao afeto seguro que lhe envolvia e dormiu serena.
Pela manhã, a dúvida, mais do que isso, a curiosidade voltou a lhe tirar a paz. “Só bater um papo não arranca pedaços”, justificava-se. Qual é o mal de ser, ou melhor, sentir-se desejada? Iria simplesmente “conferir” como fazem seus colegas casados, quando as mulheres os assediam. Almoçou com uma amiga divorciada que, ao contrário do que esperava, lhe deu o conselho definitivo: “A angústia da culpa que vem logo após é muito maior do que o prazer da relação às escondidas”. E lhe sugeriu usar “a razão e o afeto” contra a euforia, o arrepio do furtivo e proibido. E exagerou: se acontecer agora, acontecerá sempre, como um vício.
Impressionada, reconheceu que poderia ser classificada como uma mulher feliz, bem sucedida na relação que vive, onde pouca coisa lhe alteraria o curso. “Chega de confusão”, sentenciou. Não é isso que todos, homens ou mulheres buscam? Uma história de cumplicidade e respeito? Sentir-se desejada é um bálsamo para o ego. Faz bem para qualquer um. Levar adiante um flerte é permitir o risco de tudo ir água abaixo, por um afago na vaidade? Não vale a pena, concordou, meio a contragosto, consigo mesma. Uma boa relação se fortalece exatamente com essas pequenas renúncias. Café com sonhos, só aqueles feitos carinhosamente em Santo Antônio da Patrulha, os outros tornam-se imediatamente indigestos.