Num primeiro momento, o mundo infantil parece repleto de alegrias, descobertas, brincadeiras e gargalhadas. Mas infelizmente nem sempre é assim e muitas crianças vivem ainda na infância o trauma de ver alguém da família ficar doente – ou elas próprias adoecerem. Quando isso acontece, o susto é imensurável e vem acompanhado de muitas dúvidas e questionamentos. Para abordar um pouco esse delicado tema conversamos com a psicóloga Ana Paula Mucha.
Inicialmente a profissional ressalta que a doença acompanha o ser humano por toda sua vida, sendo praticamente impossível passar pela vida sem adoecer, precisar de um tratamento ou uma internação. Também será preciso vivenciar, em algum momento, a perda de um ente querido: “Portanto, podemos pensar que a doença e a morte nos mostram que não somos seres perfeitos e que não podemos controlar tudo em nós, nos outros e na natureza, nos depara com nossas fragilidades, medos, inseguranças, finitude. Funciona como uma ruptura, uma quebra na nossa vida, uma grande ameaça à nossa existência, por isso, e dentre outras coisas, tememos tanto a doença e a morte.”
De acordo com a psicóloga, quando uma pessoa adoece todo o meio onde ela vive sofre modificação, toda família sente a mudança, alguns membros mais, outros menos. Também são afetados o meio social, os amigos e o trabalho. Na hora de contar sobre a doença cada família terá sua forma de comunicação, seus códigos, não existe uma regra ou manual, mas alguns estudos apontam para a necessidade de conversar com a criança sobre as doenças e a morte, principalmente no sentido de esclarecer suas dúvidas e não deixá-la de fora da situação, afinal, ela faz parte da família e certamente percebe as mudanças no ambiente.
Atualmente, qualquer pessoa pode perceber como as crianças são inteligentes e sensíveis às situações, percebendo tudo o que acontece a sua volta, mesmo que a família, muitas vezes, tente poupá-la. Essas crianças têm a percepção estimulada para aprender rápido e cada vez mais, estando imersas em um mundo de muita comunicação. Portanto, fica difícil mentir ou esconder algum fato da criança, principalmente quando a doença ocorre no seu próprio corpo. A criança sabe quando algo não vai bem, tanto em sua volta quanto com ela. É preciso, portanto, ouvi-la, sensibilizando-se.
Diante disso, Ana Paula enfatiza que os próprios pais ensinam aos filhos que mentir ou esconder um fato não é uma atitude correta. Por isso, questiona: “Então por que mentir para a criança quando ela ou alguém está doente? Será mesmo que ao mentir para a criança estaremos protegendo-a? Protegendo-a do quê? Do tempo? Será que conseguimos dominar o tempo?”
O diálogo
Para dialogar com a criança em um momento tão delicado é importante usar a linguagem dela, utilizando palavras que ela conheça. Antes de dar a notícia (de doença ou de morte) é indicado perguntar o que a criança sabe sobre a situação, o que ela percebe, o que ela sente, o que ela acha que a pessoa tem. Essa importância é pertinente para que se tenha um norte, um caminho para se continuar a contar, sem exageros e utilizando o bom senso. Ninguém tem a intenção de chocar a criança, por isso, é indicado falar calmamente e perguntar sempre se ela tem alguma dúvida. Muitas vezes o adulto será surpreendido, a criança sabe mais do que ele imagina. Nos dias e momentos seguintes, deve-se perguntar se ela tem dúvidas, dando-lhe atenção. Também é indicado conversar com os professores e outras pessoas do convívio da criança sobre o que está acontecendo, pois eles podem colaborar.
Também é bom lembrar que existem livros infantis que tratam do tema doenças e morte, portanto, se a criança gostar de literatura é uma boa opção. Sempre é bom ler o livro antes, a fim de ajudar no esclarecimento de qualquer dúvida que possa surgir.
No hospital
A visita ao hospital também é um tema polêmico, cada família vai julgar como encara isso. O hospital, de um modo geral, é visto como um ambiente traumático, de medo. Na opinião de Ana Paula, é importante avaliar se a vontade de ir ao hospital vem da criança ou do adulto, se a criança quiser ou não ir ao hospital é importante saber o motivo, e, se ficar claro que ela não deseja fazer a visita, respeitar sua decisão. É aconselhável também saber como a pessoa internada está fisicamente, sua aparência, se ela deseja e se pode ser visitada pela criança. Cada caso precisa ser avaliado de forma única.
Por fim, Ana Paula afirma que o psicólogo pode fazer muito pouco em relação à doença em si, esse é o papel do médico, mas pode fazer muito no âmbito da relação do paciente e da sua família com seu sintoma: “A doença e a morte causam muito impacto e mudanças na família, em um momento assim pode-se buscar auxílio psicológico.”
E os amigos
Conforme a profissional, receber visitas e ajuda de amigos é algo muito particular, depende de como cada pessoa reage e qual a fase em que se encontra o tratamento. Uma mesma pessoa pode querer ser visitada em uma fase e em outra não. Assim como a pessoa acometida pela doença necessita de paciência para com as mudanças, as pessoas à sua volta também precisarão, uma vez que a situação é nova para todos. É importante ser sensível e procurar perceber quando a pessoa doente pode e quer ser visitada. Uma forma interessante de colaborar nesse momento é colocando-se à disposição, deixando claro que quer ajudar e que a pessoa pode contar com você, dizer o quanto ela é especial na sua vida. Demonstrar discrição, respeito e apoio quanto ao momento que o outro enfrenta é uma maneira de expressar esse carinho.
Portanto, é salutar vivenciar os momentos de tristeza porque, assim como os de alegria, eles fazem parte da nossa história e de quem somos: “Ajuda-nos a valorizar os momentos bons, reconhecer a dádiva que é ter saúde e procurarmos ser pessoas melhores”, conclui Ana Paula.