“Dizer sim quando quero dizer não é dar mais valor aos outros do que a mim, é não colocar meus limites, e isso é não me respeitar… É o mesmo que dizer que o que eu sinto não vale nada, que os outros podem passar por cima de mim à vontade. E eles passam, sem dó nem piedade.
Hoje estou aprendendo a dizer não. Quando não quero alguma coisa, simplesmente digo não. Sem raiva nem emoção. Um não é só uma negativa. É nosso limite. Um direito que temos de decidir o que desejamos ou não fazer. A isso se dá o nome de dignidade. Quando nos colocamos com sinceridade, dizendo o que sentimos, somos respeitados.”
Zíbia Gasparetto
Não é uma palavra tão pequena, mas ao mesmo tempo tão intensa, tão impositiva e algumas vezes tão pesada. Por que um não nos parece sempre tão pesado, algumas vezes tão penoso e carregado de culpa? O questionamento parte da psicóloga Valquíria Breyer Lopes.
Sem ter a pretensão de ir contra os ditames da igreja cristã, Valquíria observa que a maioria dos Dez Mandamentos inicia com a palavra não, assim como também educamos nossos filhos dizendo: “não chore, não mexa, não pode, não deve, não… não… e não. Junto cada não descumprido vem a punição como consequência: “Não é um limite sim, mas quando descumprido traz consequências como um xingamento, uma repreensão, que pode ser interpretado como rejeição, desprezo, acarretando sentimento de culpa. Somos educados sim para aceitar e acatar e dizer muitos ‘sim’. Sim eu vou comer tudo o que você colocou no prato, sim eu vou estudar, sim eu vou fazer horas extras, sim eu vou dar carona para você, sim eu vou fazer isso, mais isso e mais aquilo. Sim vou fazer, mas na real eu não queria fazer! Mas por que fazemos? Por que temos medo de dizer um não?”
Valquíria explica que a cultura da gentileza da boa educação, de atitudes pacíficas e conciliadoras parece não combinar com uma expressão negativa. Para as pessoas que encontram dificuldade de dizer não, a negativa parece conter um quantum de agressividade, provocando um sentimento de rejeição e reações negativas por parte de quem venha a receber este não.
Medo de dizer não
Dizer não provoca pavor, constrangimento, medo de perder vínculos afetivos, medo da repreensão, medo da rejeição e com isso sentindo até a sobrevivência ameaçada, é um medo inconsciente que foi sendo construído desde os primeiros nãos que nos foram dirigidos: “Teremos pessoas que talvez passem a vida inteira abrindo mão dos seus princípios, dos seus interesses e dos seus sonhos porque não sabem dizer não, porque temem perder o reconhecimento, o amor, e a aprovação das outras pessoas. Porém cada um tem os seus limites e é preciso aprender a respeitá-los.” Nessa perspectiva, Valquíria cita Eugênio Mussak, que afirma “Respeitar os próprios limites é um ato de maturidade e de pura coragem. É saber dizer não – mesmo quando todo mundo espera que você diga sim.”
Na opinião de Valquíria, bom seria se dizer não estivesse restrito a uma instância racional apenas, mas os fatores emocionais, conscientes e inconscientes também estão implicados: “ Como pais provavelmente já tenhamos dito a um filho: – ‘tu não vais ir à festa hoje’. O filho se entristece, chora, fica inconformado com a atitude dos pais e os pais por piedade acabam voltando atrás porque se sentem culpados pela reação do filho, temem perder o amor do filho, o carinho, mas pior do que o não é voltar atrás na atitude tomada. Ao voltar atrás ou simplesmente sempre dizer sim a tudo e a todos, a pessoa acredita que a expressão negativa é cruel. Muitas vezes esta relação entre a negativa e o sentimento de crueldade é reflexo de uma vida de privações das necessidades e possibilidades mais básicas como ter carinho, poder brincar, poder vivenciar situações novas, ter atenção e com isso foi criando uma relação inconsciente onde cada não recebido era sentido como algo ruim.”
Ao abrir mão de seus princípios e dos seus sonhos pela dificuldade de dizer não, há implicações que acarretam numa sobrecarga física e emocional principalmente provocando como ansiedade, tentativas de evitar as pessoas porque teme que algo possa lhe ser solicitado, raiva de si mesmo, raiva dos outros, baixa autoestima, sentimento de estar sendo explorado por todos, vivendo as prioridades dos outros em detrimento das suas. No âmbito profissional, conforme Valquíria, a pessoa poderá ter uma sobrecarga de trabalho, acumulando tarefas, responsabilidades e posteriormente não conseguindo atender a demanda que foi designada. Neste caso sente-se frustrada duplamente, primeiro por aceitar tudo, e segundo por não conseguir dar conta do que assumiu.
A Síndrome do bonzinho
Esta dificuldade com o não hoje já tem um nome, embora não se caracterize como uma doença propriamente dita, a Síndrome do bonzinho (a), que apresenta características como: tentativas a todo o momento para agradar os outros; dificuldades para fazer críticas; medo de encarar ou participar de conflitos; colocar as necessidades dos outros sempre em primeiro lugar; busca incessante por reconhecimento e aprovação; evitar ao máximo os desgostos e frustrações; exibir alegria exagerada; querer ser amado por todos; sentir medo dos julgamentos dos outros e fazer coisas demais pelas pessoas. Assim, comportando-se com uma bondade exagerada, considerando o contexto social atual, isso pode ser ameaçador, a pessoa perde suas defesas ficando muito exposta e frágil, tornando-se alvo de oportunistas.
De acordo com a psicóloga, ficar agradando a todos e abrindo mão dos próprios princípios não é nada saudável, pelo contrário, provoca sofrimento e frustração: “É preciso desconstruir subjetivamente a relação infantil do não x punição x abandono/rejeição para dar espaço a uma nova forma madura de encarar os nãos e negativas que precisamos dar! Quando se atinge a maturidade sem se sentir culpado pelas negativas que dá, vai se percebendo que não se fica solitário ou abandonado pelos outros. Conquista-se mais uma pessoa: a si mesmo!”, finaliza.