Quarta-feira passada, o Google homenageou o centenário de Julia Child, a norte-americana que, aos 32 anos, entediada com a vida de madame ofertada pelo marido, funcionário da embaixada de seu país, em Paris, decidiu-se por aprender a cozinhar. Escolheu a tradicional escola “Le Cordon Bleu” que formava grandes “chefs”, todos homens é, claro. Foi assim, que nos anos 30, enfrentou o preconceito machista e desvendou os segredos da culinária francesa para seus conterrâneos, em bem-humorados programas de tevê e livros. Um deles é um clássico: “Mastering the Art of French Cooking”, algo como “Dominando a Arte da Culinária Francesa ”, sem tradução em português.
“Bon Appétit” dizia ela ao concluir seus programas, cativando as donas de casa da época, pela simpatia, pela maneira engraçada que encarava as dificuldades, os erros eventuais na execução de algum prato. Precursora de tudo que assistimos hoje sobre o tema, na telinha. Recomendo o belo filme “Julie & Julia”, com Meryl Streep no papel de Julia, deixando evidente a influência e exemplo para grandes mestres da gastronomia atuais, como seu compatriota, o “chef” Anthony Bourdain, que em seu programa de tevê, reconhece o pioneirismo de Julia.
Quando faleceu, aos 92 anos, em 2004, os tempos eram outros. As mulheres conquistaram novos espaços, assumiram funções antes reservadas exclusivamente aos machos da espécie. De alguma forma abandonaram a condição de “rainhas do lar”, ou pior, acumularam funções. Muitos homens passaram a dividir tarefas domésticas com as esposas. E a partir da daí, passaram a pilotar forno e o fogão, com desenvoltura. É o meu caso.
Compro livros de culinária e assisto a todos os programas possíveis na tevê, onde possa assimilar uma nova técnica ou receita. É uma retomada no sentido inverso. Chefes de família? Nem tanto, as mulheres exigiram democracia no lar. Mas no kit de cozinha, muitos de nós somos “chefes”, ora!
Semana passada, no supermercado, repetiu-se uma cena que já assisto com frequência. Ao passar pelo setor de artigos de cozinha, me chama atenção uma imensa panela wok – aquela da culinária chinesa – e enquanto conferia peso, acabamento e preço, percebo que um senhor também examina panelas. De repente estávamos a falar sobre qual delas seria mais adequada para determinados tipos de receitas. Um casal passa e adivinhem quem resolveu parar para examinar facas? O marido, é claro. Ela seguiu com a lista de compras, assim como nossas esposas.
Os homens estão presentes em cursos de gastronomia, ministrando aulas não apenas de receitas de alta culinária, mas dicas para o dia a dia. Esta é a pior parte. Preparar um prato especial é muito mais tranquilo, por mais complexo que seja em sua execução, do que alimentar uma família com equilíbrio entre o sabor e a saúde. Confesso que mais me assusta é a parte chata de lavar pratos e manter a cozinha organizada. Mas tenho uma boa máquina que deixa brilhando louças e talheres e a cozinha está sempre higienizada, sem bactérias.
Antes, éramos chamados para assar o churrasco, o carreteiro ou aquele singelo macarrão. Muitos nem chegavam a esse nível, permaneciam como humildes auxiliares para lavar ou secar a louça. A coisa mudou. Assumimos o controle na preparação de receitas especiais: saladas exuberantes, doces caprichados e iguarias que seduzem nossas mulheres. Invadimos uma nova área na deliciosa guerra dos sexos: agora também pela barriga, chegamos ao coração de uma dama. E começamos pelo “mise en place” ou, em outras palavras, as preliminares do mundo gastronômico.