O número de crianças e adolescentes utilizando celulares cresce a cada dia. E a polêmica também. Há aqueles que acham que o aparelho pode causar problemas de saúde e prejudicar o aprendizado. Há os que dizem que hoje em dia o item é quase indispensável e ajuda no monitoramento dos filhos. Surge então o dilema: afinal, o celular é indicado ou não a crianças e adolescentes? Com a resposta a psicóloga Bernardete Pretto.
AT- A partir de que idade uma criança pode ganhar um celular?
Psicóloga Bernardete Pretto – Acredito que a idade para dar um celular a uma criança deveria depender de alguns critérios, sendo o primeiro deles a necessidade ou não da criança utilizá-lo. Em algumas situações, ele é um instrumento útil para as famílias, que conseguem comunicar-se com os filhos e sentirem-se seguras com essa possibilidade. Nestes casos, diria que a partir do momento em que a criança consegue identificar sua finalidade e usá-lo adequadamente, o que aconteceria a partir dos sete, oito anos, aproximadamente, já poderia usá-lo. Mas, o que normalmente acontece é que os celulares são cada vez mais utilizados para outros fins, como os jogos, acesso à internet, entre outros, o que acarreta o risco de uma criança pequena envolver-se em situações com as quais não saberá lidar. Por isso, diria que, tirando os casos de muita necessidade, o melhor é que a partir da puberdade, quando já existe uma maior compreensão do mundo, os jovens utilizem-se do celular.
AT – O que deve ser levado em conta na hora da decisão?
Bernardete – Para decidir se é o momento de a criança ter um celular, deve prevalecer o bom senso dos pais, que são os responsáveis por ela e que deveriam saber discernir o que é melhor para os filhos. Acompanho muitos pais que se sentem pressionados pelos filhos, que possuem amigos com celular e que se inspiram neles para dizer que também necessitam do aparelho. Nestes casos, é preciso que os pais conversem com o filho e mantenham-se firmes em sua posição. Crianças fazem chantagem, mas não têm noção das consequências de seus atos, então precisam de limite. Atualmente, tem sido complicado justificar à criança um não, pois parece que todos deveriam estar sempre “ligados” e ter acesso às tecnologias constantemente ofertadas. Mas é sempre fundamental pensarmos que o respeito à infância também envolve a ideia de que devemos, como adultos, protegê-las do excesso, do consumismo, da exposição exagerada, entre outras coisas.
AT – A maturidade da criança bem como sua rotina diária são pontos que devem ser considerados?
Bernardete – Com certeza, a maturidade da criança é um item fundamental a ser considerado. No entanto, o difícil é saber que critérios seriam seguros para avaliar a maturidade, já que para alguns pais seus filhos são sempre vistos como capazes de se cuidar e inclusive incentivados a “se virarem” o mais cedo possível. Para eles, quanto antes a criança aprender a lidar com as diversas ofertas em termos de tecnologia, mais madura será e mais preparada para o mundo. Essa é uma ideia perigosa, que tem contribuído em grande parte para o aumento de crianças que se mostram agitadas, com dificuldades de atenção e ansiosas. Em relação à rotina, o celular pode ser um instrumento que, se bem utilizado, auxilia a criança que precisa deslocar-se para muitos locais durante o dia, pois ela pode necessitar fazer contato com os adultos, ou quando ela precisa lembrar-se dos compromissos, dos horários, etc.
AT – Que orientações básicas (como manter o aparelho no modo silencioso na sala de aula) devem ser transmitidas pelos pais e/ou responsáveis?
Bernardete – As orientações para o uso do celular devem sempre envolver a clareza sobre sua finalidade. Ou seja, se a criança precisa levá-lo à escola, ela deve respeitar, em primeiro lugar, as orientações da escola em relação a isso. A maioria das escolas já incluiu nas suas normas regras para uso dos celulares. Elas envolvem desde deixar o aparelho no silencioso até não usá-lo para fotografar, filmar, acessar redes sociais, entre outras. Isto porque tem sido complicado para os professores fazerem com que os alunos respeitem as regras. Então, o apoio das famílias é muito importante, diria até imprescindível. Outra questão importante é que os pais observem o uso que a criança faz do aparelho, inclusive dizendo a ela que olharão as ligações que ela faz, com quem ela se comunica, que recursos ela usa, o que tem “baixado” no celular. Isto é importante porque, como já mencionei, a imaturidade das crianças pode levá-las a envolver-se em situações delicadas e/ou perigosas.
AT – É possível evitar que as crianças acabem se distraindo com a infinidade de opções que os aparelhos modernos oferecem e acabem esquecendo seus compromissos reais (como fazer o tema, por exemplo)?
Bernardete – Em relação a isso, penso que ainda vale uma velha regra que não deveria nunca sair da moda: as crianças precisam ser acompanhadas por adultos. Quando digo “acompanhadas por”, refiro-me à questão do cuidado, da atenção à criança, que é um ser em crescimento, um ser que depende, em muitos aspectos, do adulto. Então, se os pais percebem que a criança está deixando de fazer o que precisa porque não consegue deixar o celular, ou os jogos, ou o computador, é hora de estabelecer limites. Os limites devem ser muito claros e cumpridos dentro do combinado com as crianças: estabelecer horários, tirar o celular quando necessário, determinar como e quando a criança pode usá-lo, verificar se a criança fez seus temas ou atividades da escola… Isto faz parte da educação e exige dos pais uma participação efetiva na vida dos filhos, o que pode ser trabalhoso, mas é a única forma verdadeira e eficaz de educar.