Mal digeria a tragédia que vitimou centenas de jovens, na boate Kiss, em Santa Maria, quando soube da repentina morte de um amigo, o Eudorico Morejano. Lembrei do que escrevera na semana passada, sobre a força que precisamos ter para suportar os danos provocados por fatalidades e por maldades. Sim, coisas feias, malvadas, representadas por omissões, pequenas ou grandes, em nome de algum objetivo que não pode ser do bem – o lucro sem limites, a corrupção que envenena a responsabilidade e a falta de amor ao próximo – tudo isso resulta em dano e muito sofrimento. Onde encontraremos a fonte de energia para levantar e seguir adiante?
A morte um dia nos levará, eu sei. Não é contra esta rota natural que me rebelo. Aprendo a administrar as dores da idade, a transformar as rugas em alertas sobre algo muito mais importante e que preciso aprender a cultivar debaixo da frágil pele, a aproveitar os gestos mais lentos que a natureza te impõe para meditar sobre a direção que nossas mãos deverão tomar. Antes do soco, o afago, sempre! Na hora de assinar qualquer termo, ter a responsabilidade de observar se meu nome e sobrenome não irão validar uma carta aberta a delitos de qualquer natureza.
Vem a desgraça e saímos a correr contra os culpados, que naturalmente tentam escapar. E nós que votamos, temos documentação em dia, que recebemos algum tipo de educação, dificilmente lembramos-nos de um dia obscuro em que talvez, tenhamos tentado driblar alguma norma. “Não vai dar em nada”, pensamos. E quando o caldo fervente se volta contra nós, tentamos repassar a responsabilidade que é só nossa. Este meu amigo, faleceu enquanto se recuperava de uma cirurgia, vítima de uma dessas bactérias comuns a hospitais. Não podemos sequer reclamar a falta de esterilização no ambiente hospitalar que, por lidar com moléstias de toda a natureza, contamina-se com muita frequência.
Não podemos proibir nossos filhos de frequentarem festas. Não podemos evitar um tratamento médico. Adquirir um automóvel, por exemplo, é uma possibilidade de conforto e bem estar para toda a família. Mas aí, tem quem compre a habilitação, e saia igual a um cego a dirigir pelas estradas, sem respeitar sinas e velocidade mínima. Afinal, se ignora a regra, não pode cumpri-la. Quantas vezes não fomos a eventos festivos e pensamos “se isto aqui pegar fogo, morremos todos”. A insegurança é tão visível que assusta a nós, leigos, como então, passou por uma fiscalização? Triste cegueira ética.
Por enquanto, rezemos pelas vítimas de tantas fatalidades. Não voltarão a vida. Mas nós podemos evitar novos acidentes fiscalizando, cobrando das autoridades públicas e observando nosso próprio comportamento nos pequenos detalhes do cotidiano. Tão minúsculos às vezes quase imperceptíveis no cotidiano, mas fundamentais ao definir o caráter de um povo. Não somos apenas uma peça, somos a peça!