A página virada que representa o ano que passou ainda oscila com forte tendência para as notícias ruins. É tempo de sol, calor, festa e percebemos que a violência e a corrupção permanecem vivas, sem preocupação com férias porque a vocação criminosa, aparentemente não cansa e é muito bem recompensada. Mesmo assim, temos planos. Seguimos a nossa trilha, esquivando-se das tentações criminosas e nos concentrando em projetos de um trabalho melhor, de estudos, viagens e quem sabe, aquela busca íntima pelo amor. É assim que a vida deve funcionar. Dona Ana pensava assim. Mulher madura, divorciada e com dois filhos adultos, avaliava que já estava mais do que na hora de namorar. Nada de casamento! Algo mais leve, para rebater a solidão e a carência afetiva que volta e meia aparecia. Quantos não pensam nisso?
Em outubro passado, em uma visita a Feira do Livro de Porto Alegre, conheceu Alceu, um pelotense simpático e fã de Machado de Assis. Tinham histórias semelhantes, ambos descasados e ocupados demais com a família. Acabaram esquecendo-se de si. Todos ao redor, estavam com seus respectivos pares, afazeres e eles a enfrentar uma desagradável sensação de vazio. Não haviam se preparado para a maturidade, ou melhor, não haviam pensado que além de cuidados médicos, a saúde se mantém melhor com um bom grupo de amigos e, se possível, alguém para dividir afeto.
A partir daí participaram juntos de eventos literários, encontros em cafeterias, livrarias, permitindo que o sentimento fluísse naturalmente. Estavam felizes, em sintonia. Em dezembro passado, combinaram um jantar alguns dias antes do Natal. Depois disso, cada um iria dedicar-se aos filhos e netos nas festas de final de ano. Julgaram ser muito cedo para uma aproximação entre as famílias. Às 21h15 ela estava no restaurante. Quinze minutos depois tentou contato. Alceu não atendeu o celular. Uma hora depois, angustiada, voltou para casa. Deu-se conta que não sabia onde ele morava. Falavam-se apenas por telefone e não participavam das redes sociais na internet.
Apenas no dia seguinte, recebeu uma ligação. Era um dos filhos dele, a pedir desculpas por apresentar-se daquela maneira, mas o pai havia sofrido um assalto e a violência extrema dos bandidos o havia deixado desacordado por muito tempo. Ao recuperar os sentidos, suas primeiras palavras foram “Ana? Perdi o nosso jantar!” Aquilo parecia o roteiro de um destes tantos filmes que assistira e assim, ela decidiu-se por um final feliz. Visitou Alceu no hospital e o ajudou na recuperação. Quando o Natal chegou, estavam tão íntimos que a reunião entre as famílias acontecem naturalmente. A violência externa os unira de tal forma que pareciam conhecer-se há muito tempo.
Da violência sofrida, Alceu e Ana moldaram mais uma daquelas alianças de poderosa fibra. Se neste ano de 2013, muitas páginas do cotidiano repetem o que se foi, com manchas de sangue e dor, muitas outras se abrem com a apaixonada força daqueles que não se entregam jamais. E é por aí que enfrentaremos todas as adversidades que ainda virão. A cada dia, estas pequenas conquistas, motivarão políticas públicas mais sérias e rigorosas onde a lei será aplicada sem panos quentes, deixando a brandura apenas aos amantes. Estes merecem.