Esquisito esse nosso grande Brasil. Choramos tragédias e depois saímos em busca de culpados, punição e ao final, quando a poeira da indignação baixa, tudo se acomoda entre discursos políticos, oportunidades e criminosa acomodação. Na quarta-feira, enquanto familiares das 239 vítimas da boate Kiss, as homenageavam com badalar de sinos, palmas e buzinas em diversos pontos de Santa Maria, lá do Rio de Janeiro, um amigo jornalista, meu editor na extinta Folha da Manhã, Amauri Mello, sugeria uma pauta preventiva à imprensa: “as casas nas favelas-comunidades, que crescem cada vez mais graças aos preços módicos do material de construção” e, segundo ele, acabam virando um belo negócio.
O cidadão constrói sua casinha. Em seguida, vende seu “espaço aéreo”, ou seja, o ar sobre a laje. O novo dono faz a sua parte e também autoriza outra casinha e um terceiro, que oferece a um quarto proprietário e sabe-se lá, quantos mais! “Tem na Rocinha, na Maré, no Vidigal”, garante Amauri, em postagem no Facebook. Sem projeto arquitetônico, licença ou alvará, a edificação acontece assim, no improviso, na moita, embora a luz do dia, talvez com vista para o mar.
E se um dia a casa, ou melhor, o poleiro habitacional cair? Alguns morrerão esmagados, liberando o espaço aéreo para imagens candentes de indignação em horário nobre. A paisagem recupera seu vazio assim como vazio é o debate que se divide entre o jogo de empurra entre políticos e órgãos fiscalizadores que se acomodam entre a incompetência e a trampa.
As lágrimas, a dor que só pune os incautos, as promessas de “nunca mais”, em poucos dias acabam trocadas pela constatação de que outro lugar, ou próximo dali, outra atrocidade ganha forma no céu aberto. É só dar um tempo da onda fiscalizatória saciar a mídia, das agências de propaganda faturarem em lindas campanhas públicas que tudo volta ao princípio impune. Fiscalizar, com a lei debaixo do braço, dá muito trabalho, é uma rotina que rouba votos e nem gera boas imagens. O alerta, nem pauta é!