Toda vez que leio uma notícia escabrosa penso:
– Pronto! Chegamos ao fim da picada, ao fundo do poço, ao absurdo total!
Lamentavelmente a capacidade bestial do ser humano desconhece fronteiras, supera todos os limites, se reinventa a cada dia de forma assustadora.
Na manhã do último domingo, numa igreja localizada no bairro Guarujá, zona sul de Porto Alegre, um pintor foi assassinado pelo ex-sogro.
José Evandro Saldanha Rodrigues, 35 anos, foi morto com quatro tiros – na cabeça, ombro e pescoço – dentro do templo, na frente de dezenas de pessoas. O padre Moisés Antônio Dalcin terminou a jornada dando a extrema-unção para a vítima que morreu na hora.
O episódio desperta em mim indignação semelhante provocada pelos frequentes ataques a escolas. Nasci há 52 anos, época em que templos e estabelecimentos de ensino eram lugares sagrados. Era ali que a comunidade desarmava espíritos para juntar forças e reivindicar melhorias, conquistar benefícios coletivos.
Hoje, prédios escolares são alvos de ladrões que surrupiam computadores, merenda, material de consumo ou destroem o que sobra e não raro colocam fogo nos imóveis. Geralmente localizadas em regiões carentes, a agressão contribui para o desânimo de professores que lutam para sobreviver trabalhando duro no ensino e na guarda do patrimônio público.
Nem a proteção dos céus é capaz de minimizar a fúria da vingança
Os templos constrangiam os marginais. Sempre houve bandidos nestes lugares, talvez para aliviar a consciência. Mas jamais para entravam para roubar, estuprar, furtar ou matar a sangue frio. A notícia detalha que de domingo foi o epílogo de uma briga antiga, recheada de ocorrências policiais envolvendo ameaças e agressões. A vítima tinha contra si 17 registros por ameaça e agressão, todas de autoria da ex-mulher, com que foi casado por 15 anos e tinha dois filhos. Estavam separados desde agosto passado.
Crimes passionais desconhecem as fronteiras da racionalidade. São fomentados ao longo do tempo, robustecidos pelo rancor, por lembranças sofridas, por episódios dolorosamente inesquecíveis. Na praça, no bar, no silêncio do lar ou na cumplicidade covarde de amigos e familiares, repentinamente a energia da paixão descamba para a fúria assassina
Como se viu no crime de Porto Alegre, nem a proteção dos céus, em suas mais diversas instâncias, teve a capacidade de deter a raiva, minimizar a vingança e frear instintos primitivos que deveriam permanecer latentes, arquivados, domados, adormecidos. O lado animal do homem, parece, desconhece qualquer resquício de limite.