Os protestos contra o aumento das tarifas de ônibus em diversas capitais, inclusive Porto Alegre, é tema de acalorados debates lá em casa. Meu filho de 17 anos, estudante de Jornalismo, não esconde a revolta com minhas críticas pelas depredações, incêndios de lixeiras e bloqueios de ruas. No auge da discussão ele disparou
– A atitude da polícia em todo país parece a época da ditadura! – bradou o futuro repórter com faísca nos olhos.
Refleti sobre a frase para buscar ao menos uma semelhança entre atualidade e passado. Entre um gole e outro de chimarrão disse a ele que, ao contrário de hoje, nos ditos “anos de chumbo” era proibido até pensar sobre conteúdos que se encontra nas “redes sociais”.
Como uma foto eternizada na memória, lembrei do meu pai, então vereador de Arroio do Meio nos idos de 1968 quando o representante do povo não tinha direito a salário. Vez por outra ele recebia a visita de líderes do MDB, único partido de oposição permitido pelo golpe de 1964, na companhia dos saudosos Arnesto Dalpian, Adolfo Poletto e Erico Kuhn.
Estes encontros reuniam no máximo quatro pessoas, geralmente nos fundos da minha casa e com a luz apagada. Muitas vezes líderes como Pedro Simon e Paulo Brossard participavam. Falando baixinho, meu pai, o velho Giba, sussurrava:
– Fica sentado lá na frente de casa. Se o jipe da Brigada Militar passar mais de uma vez, avisa imediatamente pra gente dispersar!
Eram tempos realmente duros aqueles. Reuniões sociais eram interrompidas abruptamente, atores arrancados do palco em meio à exibição de peças e shows e era frequente que jornais amanhecessem ornamentados com receitas culinárias no lugar das notícias censuradas.
Hoje, ao contrário do que ocorria nos tempos da ditadura, se diz e se escreve com total liberdade
Nada, portanto, sequer parecido com o que vemos hoje onde existe plena liberdade de expressão em todas as plataformas. Pelos diversos canais da internet são ditas verdadeiras barbaridades, assacando-se contra a honra de qualquer um. Quando o alvo das “denúncias” reclama, ouve-se uma singela sugestão que mais parece deboche:
– Não tá satisfeito? Procura teus direitos na Justiça!
Enquanto a ação por calúnia e difamação tramitar na Justiça – o que geralmente demora anos -, a vítima das inverdades fica sob suspeita pública, apontado nas ruas, no trabalho e até em festas familiares. É muito cômodo o anonimato de posts apócrifos, capuzes e máscaras no meio à multidão ensandecida.
A liberdade de manifestação é um direto inquestionável. Isso, porém, não pode obrigar a nós, contribuintes, a pagar pela limpeza/pintura de prédios públicos, ou pela reposição de lixeiras, ou bancar reparos em ônibus e outros equipamentos de uso comum. O ambiente de modernidade contrasta com esta postura retrógrada de destruição gratuita a pretexto de protesto por reivindicações sociais.
Enquanto persistirem as manifestações populares – onde a participação de trabalhadores pode ser contada com os dedos de uma mão – o chimarrão de lá casa continuará animado. Uma verdadeira mesa redonda impensável nos meus tempos de adolescente onde a opinião de meu pai era única.