“O que tu tá pensando?!” O xingamento atravessou a avenida Borges de Medeiros, naquela parte de Porto Alegre, próxima ao viaduto que lembra uma mini Nova Iorque. Manhã nublada de sábado e é claro levei um susto. Calçada fria, quase vazia e pelo que eu percebia, palco de algum desentendimento bem sério. O sujeito, um alemão alto e gordo, quando me viu, suavizou a expressão. Mas seguiu vermelho feito um pimentão e rosnou, em voz alta: “Estão querendo me empurrar um abacaxi. Então é tudo comigo?”
É claro que não respondi, caprichei num olhar compreensivo, do tipo “me livra dessa bronca” e percebi, que ele conversava no celular, utilizando fones de ouvido. Terno, gravata, mochila de notebook, antes de se dar conta que berrava, agendou uma nova reunião em uma famosa cafeteria da rua Uruguai, também no centro da Capital. Sem gritos, acredito. As novas tecnologias, computadores e internet, especialmente, transformam qualquer espaço em escritório. As cafeterias oferecem tudo para um encontro mais reservado. O problema é a hora da crise. Ninguém está livre, afinal. As ruas podem acabar acolhendo esse tipo de cena.
Na semana passada, estávamos eu e minha cara metade, em uma confortável cafeteria, quando a mesa ao lado foi ocupada por outro casal. Simpático, bem vestido e extremamente formal. Começaram a falar e percebemos que estavam ali a trabalho. Embora não tenhamos a menor disposição para bisbilhotar negócios alheios, a conversa deles começou a invadir o nosso espaço. Inicialmente ela apresentou seu próprio currículo – cursos, experiências anteriores, viagens ao exterior, perfil de atuação. Ele ouvia, mas não sei se conseguia um mínimo de concentração.
A toda hora a conversa era interrompia para o rapaz atender o celular. E o ouvíamos a despachar coisas de trabalho: agenda de viagens, documentos urgentes e reuniões com um tal doutor Moura. Nós, na mesa ao lado, mal conseguíamos comentar nossos assuntos domésticos. Pior foi quando ela abriu o notebook e apresentou um power point repleto de gráficos, percentuais e sons esquisitos sobre as vantagens de fecharem uma parceria. A decoração de uma cafeteria, geralmente tem muita madeira, quadros e cortinas, o que deixa tudo mais audível.
Assim, é preciso cuidado para não dividir seus assuntos com os demais frequentadores. E cuidado era tudo o que muitos não tem. Fica a dica: quando em Porto Alegre, ao bater aquela vontade de um bom café expresso, antes de escolher uma boa mesa, dê uma conferida no perfil dos clientes. Gente de olho aflito, que espalha folders e ofícios nas mesas, está a trabalho e, mesmo sem querer, vai ocupar a sua atenção pelo menos até deixar bem encaminhado seu negócio. Uma cafeteria pode ser agitada, todos discutindo política, ajudando a mudar o mundo. Mas quando vira balcão de negócios, não tem a menor graça.