“China cria lei que obriga filhos adultos a visitar os pais”. A manchete do rádio parecia irreal. Eram 6h da manhã, eu recém acordara e o conteúdo parecia absurdo. Passei o dia com a manchete na cabeça até recorrer ao Google.
Constatei que a notícia era verídica. A Lei do Direito dos Idosos entrou em vigor na última segunda-feira para tentar minimizar o crescente problema do isolamento dos velhos na China. Em 2010 aquele gigantesco país possuía mais de 178 milhões de pessoas com mais de 60 anos e a previsão é de que este contingente dobre até 2030.
À parte das dificuldades na aplicação da lei, trata-se de um alerta para o Brasil, até recentemente considerado um país jovem. Dados recentes, porém, revelam que o país possui 23 milhões de pessoas com mais de 65 anos, ou seja, aproximadamente 10% da população. Especialistas calculam que em 2020 o total de idosos brasileiros alcance 30 milhões de pessoas.
Além dos notórios problemas de assistência à saúde num país continental como o Brasil, os idosos deparam com o abandono de filhos e familiares. Não é difícil conhecer casos de famílias em que pais e avós vivem graças às atenções de amigos ou vizinhos. Os episódios se agravam quando envolvem doenças crônicas.
A sensação de “descarte” só agrava os males da velhice
Autoridades chinesas reconhecem os obstáculos na aplicação da Lei do Direito dos Idosos, mas dizem que um dos objetivos é mandar uma mensagem educacional. Ao contrário do Japão, onde os mais velhos são figuras proeminentes na hierarquia familiar, é difícil encontrar países onde a atenção ao idoso é prioridade. Mais do que a preocupação física com os idosos, o abandono afetivo machuca profundamente aqueles que legaram valores, tradições e a nossa própria vida.
Parece longínquo Imaginar-se com 60, 70 anos quando somos jovens ou “adultos novos”, mas os avanços da Medicina, somados a permanente divulgação de hábitos de saúde, prolongam sistematicamente a expectativa de vida. Hoje o brasileiro vive em média 68,6 anos, ou seja, 2,5 anos a mais que no começo da década de 90. Trata-se de um avanço significativo, cujas consequências – lamentavelmente – significam também o aumento do contingente de idosos desprovidos de atenção permanente, carinho, cuidados e respeito humano.
A media que envelhecemos desperta a curiosidade sobre os antepassados e não raras vezes resgatamos a árvore genealógica que nos trouxe até aqui. O crescimento dos filhos, o flerte com a aposentadoria, o cerco das doenças e a constante sensação de dificuldade em acompanhar a impressionante velocidade do mundo nos atormenta.
Ficar a mercê do “descarte humano” é sentimento insuportável, agravado pelo abandono de nossos entes queridos.