Quando chegam as agruras do inverno lembro a minha infância vivida no bairro Bela Vista. Longe da pavimentação atual, a estrada de chão batido gerava barro ou poeira, dependendo da estação do ano.
Eu e minha irmã íamos a pé até a Escola Luterana São Paulo driblando as poças d’água. Ao chegar, trocávamos de calçado para não sujar a sala de aula onde passávamos horas a fio.
Muitas vezes as enchentes que castigavam o município isolavam a nossa comunidade. Para os lados de Lajeado era impossível viajar. A “estrada velha”, logo na saída, numa grande reta, era coberta pelas águas de arroios que se transformavam num rio. Para os lados de Encantado a elevação do nível das águas também impedia qualquer deslocamento.
Para nós, moradores “da Bela Vista”, havia uma lagoa localizada ao lado da casa comercial de Oscar Barden. Bastavam dois dias consecutivos de chuva forte para impedir a travessia. Na época fazíamos festa por ficar em casa. O passatempo consistia em jogar pedras na água para o pavor da dona Gerti que temia que caíssemos na água. A alegria terminou no dia em que meu pai contratou um canoeiro para que pudéssemos atravessar a lagoa que transbordava.
Quando cheguei a São Paulo quase desmaiei. Era gente e carro demais!
Asfalto era um luxo reservado apenas às metrópoles e a Porto Alegre. Hoje, a pavimentação é comum até em pequenas comunidades do interior, embora inúmeros municípios ainda lutem para conquistar este avanço. Estradas poeirentas impedem a atração de investimentos. Indústrias, grandes redes varejistas e de serviço são desestimuladas a instalar unidades por causa da elevação dos custos de transporte e manutenção da frota.
Nos tempos de piá um dos pontos altos era visitar meu tio Oterno e tia Maria que moravam em Porto Alegre. Andar de lambreta e passear à beira do Guaíba eram programas tão empolgantes que me causavam insônia na véspera da viagem. Aos 14 anos os visitei em São Paulo. Ao chegar, tomei um grande susto! Depois de 22 horas de viagem sacolejando num ônibus cheguei à paulicéia desvairada.
A quantidade de carros, ônibus e gente parecia coisa de outro mundo. Meu tio, que trabalha na direção da Cervejaria Brahma, acordava às 4h30min para começar o trabalho às 8h. “Perco dois terços da minha vida no trânsito”, resmungava ele, permanentemente estressado e fã de costela gorda. Talvez por isso tenha morrido tão cedo, com menos de 50 anos.
As reminiscências da infância e da adolescência deixam saudades de um tempo onde a vida fluía mais lentamente. Por isso, talvez, vivêssemos com maior intensidade num mundo onde as coisas eram mais perenes e não se esvaíam ao clicar na tecla “deletar”.