Acendeu a luz e viu o que antes era vulto, transformar-se em um jovem com olhar de ódio no rosto saltar em sua direção. “Quieta, ou te arrebento a cara!” Quieta ela permaneceu enquanto ele abria gavetas e revirava tudo. A velha cantilena do crime. “Cadê as joias? Os dólares? Tens arma?” Ela ainda emocionada pelas imagens bonitas dos cristãos que celebravam a vinda do Papa Francisco, na Jornada da Juventude – mesmo não sendo católica – via seu coração tornar-se uma pedra mesclada de raiva, medo e uma súbita piedade. Sim, apavorada com tudo o que acontecia de repente, diante de um adolescente marginalizado, sentiu uma brutal culpa pelo que lhe ocorria. E neste torpor, deixou que ele levasse o pouco dinheiro que tinha e um aparelho de DVD. Teve sorte, permaneceu viva.
“Fica quietinha aí, que eu posso voltar viu?” E sai pela mesma porta que deixara distraidamente aberta. Agradeceu a Deus pelo prejuízo pequeno e também, pela visão que aquele momento lhe permitia. Era o Brasil violento que cresce lado a lado do desenvolvimento econômico. É o Brasil que negocia trégua com bandidos para não assustar peregrinos mas, passado o tempo combinado, não faz nada, não avança um milímetro, para frear a geração dos que não tem mais fé e escolheram a lei do matar ou morrer, ritualizada nas facções do mal.
É cada um por si. Motoristas bloqueiam rodovias, médicos paralisam o que já anda a passos de tartaruga, forças de segurança facilitam seu trabalho e, por exemplo, promovem jogos de torcida única. Torcedores não vão aos jogos apenas pelo esporte, mas para disputar um jogo particular de poder nas arquibancadas.
Será que estamos preparando nossos filhos às avessas para vencer no mercado de trabalho, esquecendo regras básicas éticas, ou de amor e respeito ao próximo? A humanidade que pague ou se lixe. Nas redes sociais somos dóceis e humanos. Colocamos as boas intenções em frases soltas e citações clichê de autoria duvidosa. Na vida real, andamos por estradas paralelas e, as poucas encruzilhadas, nos permitem desafogar frustrações em doses maciças de crueldade e egoísmo.
A salvação está, mais uma vez, na humanização do ensino, da prática familiar. Desenvolver a vocação para solidariedade. Não insistir para o filho passar no vestibular de medicina – por exemplo – porque é a carreira mais bem remunerada do país. Salvar vidas, conquistar o reconhecimento dos outros pelo consultório luxuoso, o carrão na garagem e as férias no paraíso é a recompensa, não o objetivo final. Isso vale para todas as áreas, o prazer da realização profissional se resume aos bens materiais.
Os que não conseguem atingir essa escala de valores sofrem duplamente: querem o poder, o ouro e a satisfação correspondente. Excluídos, também não medirão esforços para atingir o sucesso e reconhecimento nas manchetes da mídia. Muitos chegam lá. Mesmo que a editoria onde mais apareçam seja a policial. Afinal, no final das contas, atrás das grades parece ser mais seguro de se gerenciar o crime. Assim, quando o líder maior de uma Igreja rica, troca o ouro pelo ferro fundido, as vestes douradas pelos tons claros e singelos, merece ser ouvido e seguido. É um alerta que precisa ser ouvido.