Quem escreve o texto, muito irônico, de hoje é a dona Hedy Teixeira, 79 anos: Era assim que os fatos aconteciam antigamente naquele rincão, no Sul do mundo. Nas fazendas, chácaras, onde havia criação de gado, ovelhas, cabras e aves para o sustento dos moradores com leite e carne, também tinham cães de guarda, para evitar que animais daninhos entrassem nos galinheiros e currais para atacar a criação.
Os cães cuidavam para que estranhos não entrassem nos quintais ajardinados e nas residências. Crianças brincavam alegres nos pátios das casas. Corriam, pulavam junto com seus cãezinhos. Tudo era tranquilo. Cada animal ocupava seu lugar. A população foi aumentando e formaram-se vilarejos. Pequenas cidades. Havia nesses lugares, galinheiros, talvez uma vaquinha para o leite e uma carrocinha puxada a cavalo para facilitar a ida a lugares mais afastados. Continuavam os cães de guarda e companheiros dos homens.
As cidadezinhas transformaram-se em grandes cidades, com edifícios em vez de jardins, parques e praças. As pessoas foram se amontoando em apartamentos e muitos levaram seus cães. A convivência ficou difícil: O que fazer com os animais? Não dava para criar galinhas! O gado ficou distante, nas fazendas e matadouros. Abriram mercados onde vendiam tudo o que era necessário para a sobrevivência, desde roupas até alimentos. Os meios de transporte eram bondes elétricos e trens. Logo surgiram carros e ônibus movidos à gasolina.
A população cada vez maior e os cães perderam seu pátio para correr, brincar. Há muito estavam trancados nos apartamentos. Andavam nas ruas presos em coleiras e guiados por seus donos que os tratavam como se fossem gente: roupa, botinhas, laços de fita na cabeça. Os chamavam de “filhinho¨.
Pobres cães. Infelizes cães… Não podiam correr, brincar, sempre presos na coleira e corda. As pessoas foram cada vez mais se apegando aos cães e pararam de ter filhos. Cada dia havia mais cães; os donos dos cães falavam: vem com a mamãe, vamos visitar a vovó! E assim foi diminuindo o espaço das pessoas e aumentando o dos cães.
Nos supermercados, farmácias e lojas, os alimentos, remédios e roupas para cães aumentaram. Nas ruas era difícil andar; não dava vencimento o recolhimento de cocô nas calçadas. Gente pisando na porcaria e caindo no chão, reclamavam, mas os “papais e mamães” dos “filhinhos¨ de quatro patas, ou ficavam zangados, ou ignoravam os tombos dos infelizes que escorregavam na merda.
Iniciou campanha para o extermínio de cães. Os donos enlouqueceram. Passaram a trancar os bichos nos apartamentos. O cheiro, como podia se esperar tornou-se insuportável. As pessoas adoeciam. Morriam, vitimas de uma nova e terrível epidemia bacteriana. Os cães sem dono passaram a andar soltos – sem coleiras – pelas ruas. Procuravam comida. Eram enxotados pelos poucos sobreviventes, ou mordidos por outros cães famintos e também morriam contaminados.
Nesta época já havia mais cães do que seres humanos. E procriavam mais e mais. Tornavam-se raivosos. As pessoas fugiam, muitas morriam vítimas da sujeira. Não havia mais ordem pública e os cães tomavam conta de todos os espaços Mercados, hospitais e farmácias, fechavam as portas. Os cães uivavam, babavam. O cheiro de corpos em decomposição atraíam abutres que devoravam cadáveres humanos e cães mortos.
E foi assim que tudo terminou. Um grande tremor de terra provocou incêndios seguidos de uma devastadora inundação que limpou toda a imundice. Em uma manhã, o sol surgiu e os pássaros voaram felizes em um novo mundo. Limpo, sem cães, sem gente.
Mas então… Quem contou essa história?!