O Papa Francisco – que tenho a ousadia de chamar de Chico, graças à intimidade que nos transmitiu – conseguiu em uma semana uma proeza que marqueteiro algum conseguiria em anos de campanha publicitária maciça. A retumbante passagem pelo Brasil culminou com uma surpreendente entrevista veiculada domingo à noite no programa Fantástico da Rede Globo, conquistada pelo brilhante repórter Gerson Camarotti.
O ineditismo não se restringiu apenas ao fato do Pontífice falar abertamente sobre tudo: do surpreendente clima de inverno do Rio de Janeiro aos escândalos da Igreja Católica que ganharam manchetes mundiais. O que também chamou a atenção foram as posições críticas diante de diversas distorções da atualidade.
As proezas do Papa Francisco, nascido na Argentina como Jorge Mario Bergoglio, são inúmeras. Duvidam? Em primeiro lugar é o primeiro argentino capaz de arrastar milhões de brasileiros em inúmeros eventos e encarar com bom humor a eterna rivalidade Brasil-Argentina. E sem qualquer vaia!
O discurso surrado, conhecido de todos e que caracterizou a Igreja Católica por séculos, foi substituído. O Papa não condenou o espírito indomável dos jovens. Ao contrário. Elogiou, estimulou, mas apenas advertiu para que tivessem cuidado com os oportunistas que gostam de manipular as massas.
Chico sabe que a cantilena antiga baseada na “culpa eterna”, a obsessão pelo pecado permanente dos mortais e nas restrições ide todo tipo provocaram efeitos devastadores no Vaticano.
Com o esvaziamento dos templos, a Igreja elegeu um “relações públicas” para reverter o quadro sombrio
Ficou claro o afastamento de verdadeiras legiões de fiéis, além do esvaziamento vertiginoso dos templos, o que obrigou a Santa Sé a eleger um profissional de relações públicas para reerguer a instituição a partir de viagens internacionais onde fala para multidões.
A fome, a falta de assistência médica, o desemprego e as brigas estéreis protagonizadas por Igrejas, religiões e confissões diferentes também foram temas enfrentados com realismo pelo Papa Francisco durante a entrevista. Ele sequer tergiversou sobre o famoso escândalo em que um monsenhor sediado no Vaticano desviou milhões de dólares trazidos em dinheiro vivo num jatinho particular. Admitiu, ainda, que a Igreja Católica necessita de reformas permanentes, análises constantes e aproximação com seu rebanho.
Apesar do entusiasmo resultante da fulgurante estada no Brasil, permanece a dúvida: terá o Papa força suficiente para operar o milagre das mudanças estruturais que propõe? A Cúria Romana – como ele mesmo admitiu – é uma instância secular, pesada, assentada em tradições arraigadas e composta por religiosas que usufruem de privilégios ofensivos aos olhos cristãos.
A simples admissão das mazelas e as sugestões que ele arrolou, porém, representam um avanço saudável. Papa Francisco, além de carismático e sensível, se mostrou um homem corajoso, com opinião e determinação. A expectativa reside nos resultados desta cruzada por uma Igreja mais humilde, comprometida com o social, despojada da ostentação (e luxo) que agride àqueles que buscam – como ele mesmo disse – um ombro amigo para minimizar seus sofrimentos.