“Acho melhor pararmos por aqui”. A frase foi ouvida por duas simpáticas vovós no imenso salão do cinema. O filme iria começar em seguida, mas elas preferiram o roteiro que se improvisava bem à sua frente. O casal, procurando o isolamento, afastou-se um pouco mais e elas passaram a interpretar os gestos e movimentos, como em um antigo filme mudo. “A pobre moça está triste”, analisou uma delas. “Mas o jovem me parece muito contrariado. É sempre assim, o fim de um namoro”, completou a outra. Permaneceram ali, a observar a cena até a sessão iniciar. “O Tempo e o Vento”, da obra de Érico Veríssimo, dirigido por Jayme Monjardim as envolveu quase totalmente.
Riram e choraram com a história da família Terra Cambará. Volta e meia percebiam que o casal, sentado bem à frente, acompanhava impassível o filme. Apenas em um determinado momento trocaram um longo beijo. Depois, se afastaram. Ao final, saíram sem dizer uma palavra. Outra vez a moça despediu-se do rapaz, em tom de adeus. “Apaguei teu número de minha agenda. Troquei o número do meu telefone. Fica bem”, pediu ela, com os olhos a lacrimejar.
As vovós que também haviam chorado com as aventuras do Capitão Rodrigo, estavam convictas de que o verdadeiro amor, o tempo não apaga. Nem quando soprado pelo vento. “Duas crianças que se amam, porque vem ao cinema para um adeus? Aqui é lugar de encontro, de iniciar um verdadeiro romance”, disse a vovó mais falante, lembrando seus tempos de matiné. A outra enquanto sacudia a cabeleira em reprovação, criticou: “Nem são tão novos assim. A vida já devia ter lhes ensinado alguma coisa. Sequer perceberam a mensagem do filme”.
O rapaz tomou seu rumo, sem olhar para trás. A moça caminhou alguns poucos metros e entrou em uma loja. Lá outro homem a recebe com um beijo. Na boca! As vovós não entendem mais nada, ou melhor, passam a perceber tudo o que ocorria naquele imenso shopping de Porto Alegre. O casal se dirige à praça de alimentação, Permanecem de mãos dadas, mas com olhares distantes. Atores de uma cena sem cor, escura, como um filme “noir” francês.
As boquiabertas senhoras os acompanhavam em movimentos semelhantes ao de uma câmera indiscreta. Analisavam o contraste entre a profusão de paisagens e emoções do épico que haviam assistido antes – na tela do cinema – e as cenas frias que a moça lhes oferecia com seus dois parceiros. A vida real será sempre assim? E foi com esse questionamento que registraram o casal a sumir entre os frequentadores do shopping – minutos depois – como se obedecessem um script niilista, onde os heróis se confundem com os bandidos.
A última cena, aquela que antecipa os créditos – o “fim” – deixava uma interrogação viva e excitante às vovós. Era um espaço para a livre interpretação, bem diferente das aventuras do filme dirigido por Monjardim, onde um certo capitão Rodrigo, podia ser rude, mas nunca frívolo ou cínico. “Vamos a uma cafeteria. Essa história ainda não acabou”, concordaram as duas senhoras que, com o valor de um único ingresso, presenciavam dois espetáculos de roteiros distintos, a partir de um mesmo tema. Quem disse que não tem emoções em shopping?