O apostador da Mega Sena, morador de Ponta Grossa, no Paraná, que não apareceu para retirar os R$ 22,9 milhões conquistados ao acertar as dezenas 01 – 08 – 17 – 44 – 46 – 53, foi o único acertador e também o único a não se dar conta da riqueza que o visitou. Conforme matemáticos, ao optar pelo jogo básico, de seis números a chance é de uma entre 50 milhões de alternativas! O cara fez o mais difícil e ignorou o prêmio. É quase um escárnio aos habituados a uma fézinha semanal nas casas lotéricas. Uma lista igualmente grande de falsos vencedores apareceu com as desculpas mais estapafúrdias, na tentativa de enganar o que não tem engano: o dinheiro vai ser repassado ao Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (Fies) e sabemos, que ainda será pouco para resolver a questão da educação no país.
Mas para o Senhor Cidadão, o que representaria tanto dinheiro? A libertação de um trabalho maçante, a possibilidade de investir em um grande projeto que permita gerar trabalho e realização para outros tantos cidadãos deste sofrido país, qualificar o estudo dos filhos, promover um festão, reunir os amigos. Ajuda para um e outro, com cuidado de evitar ciúmes, na turma. Dinheiro na mão é vendaval, alertava o samba de Paulinho Viola. Quem sabe, então, sumir por uns tempos e retornar com tudo organizado. A cabeça no lugar. O Senhor Cidadão, como cantou um dia Tom Zé, muitas vezes vive triste, sem ter amigos porque na vida eterna do seu mundo hostil e egoísta, “tem que ferir ou ser ferido. Ó cidadão, que vida amarga…”.
Talvez, sem perceber que jogou no lixo R$ 22 milhões, o distraído apostador paranaense, estivesse em uma fase amargura zero, de bem com a vida. Jogou por jogar. Não acreditava ser ser o escolhido dentro daquele minúsculo percentual entre 50 milhões de arranjos matemáticos. E desprezou a sorte. Afinal quem consegue isolar-se das amarguras cantadas por Tom Zé, não tem essa mesma sede por milhões.
Mas não precisava ser tão relaxado, no sentido mais amplo da expressão. Comprar um bilhete merece a mesma atenção de qualquer outra atividade: atenção, capricho e fé ou corremos o risco de acabarmos assim, quase milionários, quase vencedores, quase apaixonados. Se você diz que não dá valor ao dinheiro, e faz um jogo, comprar um bilhete de loteria, aposta no “bicho”, é no mínimo, um sujeito contraditório.
Um de meus ídolos, o beatle George Harrison viveu a dicotomia do espiritual e o material. Adorava coisas mundanas, como corridas de Fórmula 1, carros esporte e viagens a lugares paradisíacos, ao mesmo tempo em que se mostrava humilde e silencioso, reclamava dos holofotes que se voltavam mais para os parceiros Paul e John. Eu acho que todo prêmio – desde que bem aplicado – torna-se uma benção. Capitalistas, comunistas, depressivos ou felizes de carteirinha, podem melhorar seu cotidiano, literalmente investir em seus ideais .
De brincadeira, preparei uma lista com duas páginas sobre coisas que poderiam ser adquiridas com tanto dinheiro. E parei por aí, porque era quase infinita a possibilidade de projetos oferecidos por estes 23 milhões. Percebi que ao final das contas, nada daquilo estava a me fazer falta. Porque eu vivo bem, tenho bons momentos felizes entre mazelas, comuns a todos.
Curáveis sem dinheiro. Pensei: vai ver o candidato a milionário – premiado pelos instáveis deuses da sorte – tenha percebido que tamanha fortuna poderia lhe atrair problemas. A paranóia o cercou de tal forma que rasgou o comprovante. Mas cá entre nós, mesmo neste momento de insensatez poderia escolher a quem beneficiar. Alguma instituição voltada aos desvalidos do planeta.
Ou simplesmente, ar cruzar por um sujeito como eu, dizer “toma esse bilhete. Não acredito na sorte”. Todos veriam um trabalhador de meia-idade, com excesso de peso, pouco cabelo e muita disposição para a vida, esperar pacientemente pelo fim da greve dos bancários para transformar o vil metal em investimentos em saúde do corpo e da alma. E a lista que preparei, seria confirmada item por item, com a ajuda dos amigos, porque de outra forma, não existe fortuna.