Um pouco antes de acordar sonhou que estava atravessando sozinha uma estrada com muita lama e falava com o marido ao celular: “Amor, que dificuldade passar por aqui…” Falava sem tristeza ou raiva, sabia que precisava atravessar aquele lodaçal para chegar ao casamento de uma prima. Esta cerimônia representa união, recomeço. Chegando ao casamento, sonhou com o avô materno: “Um morto que fala contigo, péssimo augúrio”. Ela sabia que seria um dia difícil. Minutos depois, o marido com ar sério mostrava uma lista de conversas de e-mail. Dela e outro sujeito. “Não disse? Problema sério à vista”. Tão grave que o marido fez as malas, afinal vivia no apartamento da mulher e saiu prometendo
nunca mais voltar.
Ela argumentou que era tudo bobagem, “distração” para as horas de folga. “Eu sou contabilista, quer coisa mais metódica? Precisava aliviar a tensão.” Ele pensou nos antigos jogos de paciências dos computadores. Distraíam sem prejuízos a vida conjugal. Essa internet era o diabo transformado em dígitos. Antes de sair, viu dois pássaros que haviam ido de encontro à janela fechada. Ambos mortos, de pescoço quebrado na calçada. “Outro sinal!” Lá estava ela a buscar respostas para a infantilidade, ou sabe-se lá o que, cometida. Depois de muita conversa, citações de gosto
duvidoso (de autores trocados), “power points” de música brega e até mesmo pedidos desesperados de perdão, o rapaz concordou em voltar. Meio a contragosto, topou seguir adiante.
Sentia falta do jeito apaixonado dela. Bem diferente da mulher ousada dos e-mails furtivos. “A alma não vai perdoar meu corpo. É, tem coisas que não dá pra consertar, pegadas que o tempo não vai apagar…” cantou a moça, reconhecendo o erro em uma antiga canção dos sertanejos Rick e Renner. Pegou mal! Ele que já se sentia como o último dos cornos,
quase desistiu da volta. Mas avisou: antes dos pressentimentos, das músicas, da auto-ajuda, era fundamental que a poeira baixasse: “Estou enjoado destas almôndegas de poeira e lágrimas. Sem essa de perdão, isso é para depois. O relacionamento mudou, é preciso pensar em novos termos e o primeiro deles é lutar contra a raiva e a frustração. Depois disso, adeus, tristeza!
O cara encerrou o discurso, abraçou a mulher como há muito não acontecia e sentiu um alívio no peito “e um peso a menos na cabeça”, afirmou, rindo de si mesmo. Acreditava que dessa forma, mesmo que novos rumos os separassem, não guardariam rancores, mas lembranças de risos, de um esforço de superação. Credenciais para uma vida sem culpas.
Você, amigo leitor, concorda com ele?