Cheguei à conclusão que o alcoolismo é uma chaga mais danosa que o consumo de drogas. Minha convicção se baseia numa série de agravantes que apesar da gravidade são inocentemente aceitos.
A publicidade em torno da bebida, por exemplo – especialmente de cerveja – está incorporada em nosso cotidiano sem a devida avaliação das consequências. Todos os comerciais são emoldurados por festas ou belas paisagens, pessoas bonitas, de alto astral, clima de aventura/romantismo e sob uma trilha sonora do tipo “que gruda no ouvido” ou de sucessos do momento.
Ao contrário da publicidade de cigarro, cujas embalagens ostentam assustadoras ilustrações do resultado do hábito do vício, latas e garrafas de cerveja possuem a cândida ilustração: “beba com moderação”. O alerta é um deboche, como se os fabricantes estimulassem massivamente o consumo, mas que no final dissessem: “Beba, mas beba pouco”. É uma colossal hipocrisia!
Outra aberração é a participação de artistas, cantores, bandas e celebridades em geral nos comerciais. É raro ler-se a notícia que algum artista famoso rejeitou uma proposta do gênero por convicções pessoais. O alto cachê, a exposição maciça e a ligação do nome a um produto de grande consumo popular são apelos financeiros irresistíveis.
A gênese da doença está dentro de casa onde o hábito de beber faz parte da rotina
O acesso ao álcool em todas as camadas sociais é um agravante de gravíssimos reflexos. Nas periferias o consumo de aguardente (a tradicional cachaça) é rotina à mutilação de famílias com históricos de violência contra mulheres, crianças, idosos e vizinhos. Mas nas demais camadas sociais o vício é escamoteado. O hábito de beber está introjetado em nossa sociedade de forma mais profunda do que parece.
As redes sociais estão cheias de vídeos com adolescentes cometendo todo tipo de barbaridade a partir da mistura de bebida com energético. Os encontros que antecedem as festas – o chamado “aquece” – já é rotina agravada neste período de férias.
A dependência do álcool como estimulante indispensável cria uma dependência devastadora, silenciosa. A precocidade com que o vício se imiscui junto aos jovens ainda não despertou a devida importância junto às autoridades de saúde. Hospitais, postos de saúde e ambulatórios estão abarrotados de pacientes crônicos.
A gênese dos graves históricos da doença se inicia dentro da própria família, onde o consumo é frequente, feito diante das crianças e sem a necessária vigilância. A adoção do termo “beber socialmente” é uma armadilha sorrateira que a médio e longo prazo gera dor, destruição e arrependimento tardio.