Antes, aconteciam os “arrastões”. O bando de jovens saía levando o que podia pelo caminho, à beira-mar ou nas mais agitadas avenidas. Equivocada comparação com a atividade de pescadores, que arrastam as redes com o alimento do mar. Hoje, são os “rolezinhos”, encontros de jovens marcados nos grandes centros por meio das redes sociais. A desculpa do protesto legítimo, ao assegurar a adesão dos “black blockers”, autoriza o caos onde deveria haver criação. Sair com os amigos, ou o giro perfeito da bailarina clássica, viraram sinônimos de confusão.
A pobreza de espírito destes meninos e meninas que não aprenderam sobre a pesca que alimenta a iniciativa e permite um melhor enfrentamento da injustiça. Ignoram por comodismo ou ignorância, o ânimo, a força que um bailado disciplinado dá à vida. Nunca ouviram ou souberam de outros jovens vencedores, como Preciosa Adams que, aos 18 anos, prepara-se para sua formatura, ainda em junho deste ano, na Academia Bolshoi, de Moscou. Depois de aprovada em dezenas de testes, aprender a falar russo, precisou enfrentar, diariamente, a luta contra o preconceito.
Preciosa é negra. A primeira bailarina negra entre centenas de brancas. Ela não quebrou nada, seu protesto foi calçar as sapatilhas e dar um role, entre tantos outros movimentos, com a mesma perfeição das colegas de alvíssima pele. Por ser diferente, passou os dois anos do curso sem ser colocada em apresentações do Bolshoi, por ser muito diferente das demais.
“Eu não me encaixo em nenhum grupo, mas eu não me importo. Estou preparada para solos”. Preciosa tornou-se única! Quantos estão preparados para a ousadia de um solo? Deixar de ser mais um no arrastão, no rolê da mediocridade? Abandonar a turba que faz do ruim, o insuportável.
Quarta-feira passada morreu o jornalista e poeta argentino Juan Gelman, aos 83 anos. Outro que deu um rolê perfeito. Enfrentou a ditadura em seu país – perdeu o filho e nora grávida – na lista de desaparecidos brutalmente no regime militar. Refugiado no México, não se escondeu na vingança. Reconstruiu a vida e deixou poemas como “Limites”, uma espécie de alerta. Realista, cru, mas amoroso, sobre a existência humana:
“Quem disse alguma vez: até aqui a sede, até aqui a água? Quem disse alguma vez: até aqui o ar, até aqui o fogo? Quem disse alguma vez: até aqui o amor, até aqui o ódio? Quem disse alguma vez: até aqui o homem, até aqui não? Só a esperança tem os joelhos nítidos. Sangram.”
A esperança – diante de tantas contradições, tantos atos limítrofes da insanidade – está em carne viva. Mas resiste, e trabalha para que os “arrastões” e os “roles” retornem a suas origens. Com danos previsíveis. Onde o trabalho cura e a poesia abençoa.