O calor dos últimos dias é assunto de todas as rodas e noticiários. Não se fala em outra coisa. O clima, por si só, já é motivo para puxar conversa. Na fila do supermercado ou no elevador. Agora, com a temperatura de espantar beduínos do território gaudério se trata do verdadeiro líder nas rodas de fofoca.
Tento imaginar como dormem aqueles que dispõem de prosaicos ventiladores de pequeno porte. Cheguei à conclusão que este clima horrível vai acabar com muitos casamentos. Duvida? Então tente imaginar a seguinte cena: a mulher se encontra no banheiro há meia hora. O marido – já deitado – adormeceu. Ela demora, capricha na aplicação de cremes, hidratantes e esfoliantes deixando o pobre coitado roncando em altos brados.
Depois de muito esforço da “patroa”, o herói finalmente acorda, sem saber o que acontece. Suado, corpo grudando no lençol e esfregando os olhos pergunta:
– O que tá acontecendo?
Pronto! Ela chora e não se contém:
– Botei uma camisola nova, transparente e tu tá roncando feito um caminhão da prefeitura! Sou mesmo uma coitada!
Vendo o perigo que ronda a cama – afinal, é preciso dar carinho e atenção nesta época onde o calor e a libido em ebulição! – o marido abraça a mulher que se esquiva.
– Que nojo! Tu tá todo suado, grudento! Nem te encosta! Gastei horrores em cremes pra ficar cheirosa… mas foi pra nada! – dispara a parceira já sentada na beira da cama se abanando freneticamente com um leque da vovó.
Disposto a salvar o casamento, marido apela a todos os santos
Pronto! O clima quente lá fora esfriou de vez na cama. Sem ainda compreender exatamente o que acontecia, ele levanta, vai à cozinha, abre a geladeira onde uma garrafa d’água o espera. Já ela enfia o rosto do travesseiro besuntado de tanto creme. Chora silenciosamente. Pensa:
– Tanta produção pra nada! Por que escolhi um marido que não entende nada de romantismo? – balbucia entre lágrimas quentes de cor esbranquiçada (lembram do hidratante?)
Na manhã seguinte, olheiras profundas, resoluto o marido corre à loja e se enterra em 20 prestações para pagar o split tão sonhado. As contas de início de ano já corroeram boa parte do salário, mas a salvação de um casamento não tem preço, não enxerga limites, é sagrada.
Disposto a oferecer uma noite caliente de amor ele compra um buquê de flores do campo, mas a dura realidade derruba os sonhos libidinosos. Depois de ligar para oito eletricistas descobre que eles se dividem em duas categorias: os que estão na praia e aqueles cuja agenda só tem espaço em março!
Desanimado, o marido volta para casa, põe as flores num vaso, acende uma vela e reza para todos os santos pedindo para que nuvens negras brotassem no céu.
Afinal, salvar um casamento é realmente uma coisa sagrada!