A reação do crime, no Rio de Janeiro aos bons resultados do sistema de UPP, Unidade de Polícia Pacificadora, é uma evidência do sucesso da instalação das polícias comunitárias em favelas e da necessidade de se investir, entre tantas alternativas, em educação e cultura. Desarticular as quadrilhas que, antes, controlavam estes territórios como estados paralelos, também se faz incentivando o imaginário das comunidades carentes para formas mais criativas e não necessariamente violentas, de melhorar a vida.
E não preciso nem ir ao dito, “primeiro mundo” para buscar exemplos nesta linha. O governo da Colômbia, conseguiu através de seu Programa Nacional de Leitura e Bibliotecas criar espaços neutros, em comunidades violentas, onde o conhecimento, o aprendizado de pequenas mas decisivas questões éticas, permitiu expressiva redução nos conflitos. Como é um projeto de custo baixo, utiliza a décima parte de um imposto de 4% de consumo de celulares no país, tem boas perspectivas de se efetivar, mesmo com a alternância no poder.
Uma tragicômica história vivida em Porto Alegre mostra a importância da cultura. Um antigo colega de ginásio, o Antônio Marcos (seus pais o haviam batizado com esse nome em homenagem ao falecido cantor da Jovem Guarda). Por coincidência, músico profissional, o Antonio Marcos passava por um período difícil. Noivado desfeito, poucos shows, decidira dar uma força a um amigo que recém inaugurara um bar na Cidade Baixa. Violão em punho fez a festa até duas da manhã. Atraiu um bom público com seu bom repertório. O couvert artístico foi muito bom.
Mal entrara no carro e sentiu o frio do cano de uma arma. “Sai daí devagar, se quer continuar vivo”, exigiu o bandido. Antônio Marcos obedeceu e quando se deparou – cara a cara – com o mal encarado, o reconheceu imediatamente. Era um ex-colega de aula e parceiro de festas que a vida separou quando este optou pelas turmas mais barra pesada. Ficou com medo de se identificar e levar um tiro ali mesmo. O apelido do ladrão, quando guri, era “Quiabo”, justamente por que aprontava e escorregava fora na hora certa.
Devia continuar assim, afinal estava livre e solto apesar da profissão, pensou o Antonio Marcos. Lembrou também que os dois adoravam cantar, em dueto, “Quero que vá tudo pro inferno”, do “rei” Roberto Carlos. E foi para lá que ele enviou tudo ao perguntar: “Tu não é o Quiabo?” Era ele mesmo. E não é que o Quiabo adorou ser lembrado? Apesar de nitidamente drogado, disse que não roubava todo dia. “Mas tô a perigo, meus filhos tão tudo doente, preciso de grana”.
Quiabo, em nome dos velhos tempos, iria livrar o amigo. Mas pediu que ele tocasse, como nos velhos tempos, uma canção antiga do Antônio Marcos – o falecido. E assim, juntos, entoaram: “Eu hoje estou tão triste, eu precisava tanto conversar com Deus…” E o Antônio Marcos que ainda vive, garantiu uma sobrevida. Ainda deixou parte da grana para o remédio das crianças. Quiabo, fazendo jus ao nome, deslizou na madrugada deixando esta história inacreditável.
Passado o susto, meu amigo lembrou que ambos haviam nascido no mesmo bairro pobre. “Mas meus pais me levaram a estudar música, a buscar mais cultura, enquanto Quiabo, cresceu solto, aprendendo a defender-se com uma arma. Acabou assim”, concluiu Antonio Marcos, lembrando que se os governos oferecessem alternativas culturais, aliadas a estes grandes esforços na área da segurança, o bem venceria com literatura, música e muita arte, às tentativas, primitivas dos caminhos violentos do crime. Nem que fosse como autodefesa, como aconteceu com o Antonio Marcos.