Tenho um amigo, colega de profissão e muito bem sucedido. Tem várias obras publicadas, escreve para vários jornais, concede entrevistas semanalmente, além de consultor de empresas e doutorando. Isso rende fama, ótimos rendimentos, inúmeros convites para ministrar cursos fora do país.
É casado há 22 anos com a mesma mulher com quem tem um casal de filhos. Apesar da vida perfeita, João Repsaj – sobrenome de origem indiana – não considera a vida perfeita. Invejado pelos amigos e colegas comunicadores, Jô – como é conhecido nas rodas de chopp – é ignorado profissionalmente pela esposa, Lúcia, loira exuberante, dentista e adepta da ioga.
– Ela não lê absolutamente nada do que escrevo, ignora as notícias publicadas sobre a minha atividade e dá de ombros para os prêmios que conquisto! – queixou-se na semana passada entre uma rodela de salamito e outra num bar da Cidade Baixa, em Porto Alegre.
Tive um vizinho que padecia de um mal semelhante. Trabalhou em inúmeros países, era disputado a peso de euros por multinacionais da construção civil. Depois de 26 anos de casamento, largou a mulher – artista plástica – com quem teve três filhos já adultos.
– Quando eu pegava a mala e o passaporte ela só perguntava pra onde eu ia e quando voltava. Nada mais. Nunca se interessou pela minha atividade profissional, muito menos fez um único elogio! – choramingava na garagem do prédio aos sábados pela manhã.
A indiferença é um sentimento que magoa, enregela a alma, quase paralisa o coração.
Ser ignorado anos a fio pela pessoa que mais se ama significa um fracasso impossível de superar. De que adianta sucesso, dinheiro, fama e badalação se a musa da nossa vida é uma estranha num mundo onde se clama por partilha, cumplicidade e alegria mútuas?
O esforço diário, recompensado por um polpudo salário no final do mês de nada adianta se não houver uma cara metade para usufruir dos dividendos de uma trajetória exitosa. O reconhecimento do sucesso por estranhos no máximo causa sensação de superioridade efêmera que se esvai diante da frieza de quem compartilha o leito conjugal.
A indiferença é um sentimento que magoa, enregela a alma, quase paralisa o coração. Mas a indiferença da mulher da nossa vida é um agravante, um atalho para desistir de viver. É doloroso contemplar o espelho pela manhã e deparar com a própria incompetência.
– Você, aí… se acha ‘o cara’, usa roupas caras, perfume importado, relógio da moda e carro do ano, mas a tua mulher não ta nem aí pra ti! – debocha a própria imagem.
Pior que encarar a própria incapacidade de sensibilizar a razão de viver é acomodar-se no travesseiro à noite. E no raiar do dia acordar ao lado de um corpo imóvel que dá prazer, filhos, calor no frio. Mas que jamais gerou calor para nutrir um fiapo de admiração e orgulho pelo que você faz. Isso é sucesso?