A cobertura de greves é um desafio para os profissionais de imprensa. Os ânimos exaltados provocam frequentes equívocos sobre a função de repórteres e fotógrafos/cinegrafistas com pretensos interesses das empresas de comunicação.
No início da década de 90 trabalhei na editoria de Geral da Zero Hora, Os movimentos reivindicatórios sofriam várias restrições legais. Era comum a radicalização com conflitos entre trabalhadores e a Brigada Militar. Lembro de dois episódios emblemáticos.
O primeiro foi uma greve de bancários. As lideranças estavam concentradas diante da Prefeitura de Porto Alegre. Eu e fotógrafo Ronaldo Bernardi chegamos antes das 8h para cobrir o bloqueio das agências localizadas no Centro da Capital. Ao identificar o Fusca bege com o logotipo ZH, a massa veio em nossa direção.
Desde cedo um radialista, colega de empresa, não poupou críticas à paralisação. Isso provocou a fúria dos grevistas que resolveram descontar em nós. Ao cercar nosso carro, alguém ordenou: “Vamos virar o Fusca!”. Tentamos desembarcar, mas fomos impedidos. Quando o desfecho parecia trágico, ouvia-se uma voz sensata: “Os caras não têm culpa! Vamos pegar aquele radialista FDP!”. O bom-senso salvou uma dupla de repórteres!
Pedestres, repórteres, fotógrafos, cinegrafistas e grevistas corriam sem saber onde se esconder
Outro episódio envolveu uma greve de motoristas de ônibus de Porto Alegre. Os coletivos permaneceram estacionados desde a madrugada junto ao Mercado Público. Para evitar dissidências, os trabalhadores deitaram no chão. Isso enfureceu o comandante da Brigada Militar, destacada para liberar o trânsito.
Os PMs formaram uma barreira com os braços entrelaçados e varreram o que havia pela frente. Motoristas e cobradores dispararam Avenida Borges de Medeiros acima. O Centro era uma enorme bagunça. Pedestres, repórteres, fotógrafos e cinegrafistas corriam desorientados entre grevistas e brigadianos.
Sem olhar para trás enveredei pela Avenida Salgado Filho. Notei que PMs se aproximavam perigosamente. Resolvi subir na árvore mais próxima, mas fui alcançado. Fiquei pendurado e recebi golpes de cassetetes que naquela época eram feitos de madeira maciça.
Resisti até alcançar os galhos mais altos para me safar das pancadas aos gritos de “desce, seu FDP… desce se tu é macho!”. Naquele momento o que menos interessava era salvar minha dignidade masculina.
Na redação de Zero Hora fui recebido como herói. A veterana editora Núbia Silveira me olhou com desdém e ordenou:
– É bom levar uns tapas de vez em quando. Agora senta aí e escreve a matéria com isenção!