“Toda pessoa tem o lado de montar”.
A frase é de autoria do meu falecido pai, o velho Giba, que nos deixou precocemente, aos 52 anos. Ele cunhou ditos que meus filhos estão cansados de ouvir porque continuam atuais depois de 50 anos. O pensamento resume o esforço diário para valorizar o lado bom que todo ser humano traz dentro de si.
É praticamente impossível deparar alguém que seja “de totalmente ruim”, ou seja, que exista um indivíduo que não tenha ao menos uma qualidade a ser destacada. Não se trata de perdoar infinitamente as falhas. Mas de exercitar a tolerância tão escassa hoje em dia. A impaciência que permeia a vida moderna estimula a tendência de supervalorizar erros cometidos por outras pessoas.
É comum ouvir-se frases do tipo “não aguento mais este mundo… só tem gente chata, inconveniente e mal educado”. Em parte isso é verdade. Mas a generalização é sempre inimiga da verdade. E neste caso não é diferente. Todos nós temos amigos que por algum motivo nos atraíram, embora sejam dotados de pequenos vícios que preferimos ignorar diante da nossa atração pessoal.
Existem amigos perfeitos para compartilhar um almoço para jogar conversa fora por uma hora ou duas horas. Outros são vocacionados como bálsamos nos momentos difíceis quando perdemos um ente querido. Existem os companheiros ideais que nos fazem rir, falam bobagens, contam piadas, relatam causos pitorescos. E com muita sorte acharemos um parceiro ou parceira para compartilhar filhos, dividir a velhice, zelar pela nossa saúde até o final dos nossos dias.
Conviver com as próprias deficiências é um exercício diário e nem sempre fácil
A beligerância da modernidade é uma epidemia que se alastra com velocidade espantosa. No trânsito, no supermercado em véspera de feriadão, no caixa eletrônico – onde sempre tem alguém que “não viu que tinha fila” – ou na disputa da vaga do estacionamento. A combustão instantânea transforma pacatas donas de casa e engravatados executivos em metralhadoras que disparam palavrões e ofensas que chocam.
A espiral de violência em todos os ambientes não deve corromper a capacidade de discernimento indispensável à convivência pacífica. Isolar-se sob o argumento que não existem pessoas “boas suficientes para mim” é desistir do entendimento. É capitular através da simplificação do tipo “só eu presto, só eu tenho virtudes, o resto é o resto”.
A rotina de apontar equívocos alheios – sempre em comparação com as nossas qualidades – é arriscada. Brinco com meus filhos ao dizer que na hora de dormir “não se pode enganar o travesseiro”. Isso significa que, ao analisar a jornada diária, sempre é possível encontrar aqui ou ali falhas de comportamento, resvalos de conduta ou atitudes de arrogância e egoísmo da nossa parte.
Irremediavelmente humanos, somos condenados a conviver com semelhantes dotados de vícios toleráveis. Afinal, sobrevivemos às vicissitudes dos nossos próprios defeitos.
Já pensaram no dia em que nossos amigos usarem o churrasco de domingo para falar de todas as nossas falhas, erros e contradições? Seria melhor usar talheres de plástico!