De repente, um vaso florido estraçalha-se na calçada de uma das ruas mais movimentadas próximas ao centro de Porto Alegre. Logo em seguida, uma preocupada doméstica retira todos os outros que adornavam o parapeito da sacada, no quinto andar. Percebeu, de uma maneira arriscada, que a beleza de uma janela florida está aliada a segurança de quem pode admirá-la. “Conversei com minha patroa e ela concordou comigo, nada de vasos ou outros objetos por ali”, me disse na semana passada, quando casualmente voltei a cruzar por ali e ela retorna do supermercado, cheia de sacolas.
Neurotizada, a experiente doméstica, me disse que passou a observar os edifícios que ostentam vasos enormes, alguns presos a arames podres que de nada ajudariam em uma ventania ou uma batida distraída como aconteceu com ela. “A maioria dos condomínios proíbe este tipo de coisa. Mas sempre tem quem ignore regras”, aprendeu a doméstica, em seus quase 35 anos de profissão. A conversa rendeu e ela me relatou outro típico exemplo de irresponsabilidade, onde fora a vítima.
Fim de expediente, cansada, aceitou a carona oferecida por seu irmão, que estava nas proximidades. No meio do caminho, três momentos da mais pura insensatez a tiraram de uma rotina tranquila: primeiro, um automóvel cruzou a preferencial em alta velocidade; seu irmão, instintivamente, pisou no freio que estava com defeito “puxava para um lado” explicou o mano, depois. Moral da história: o carro saiu de lado. Na sequência as rodas dianteiras bateram na calçada, provocando o capotamento do veículo.
O terceiro ato da desgraça previsível foi sentir que o cinto de segurança não resistira a seu peso, “estava puído, velho demais”. Consequência disso, a pobre senhora quebrou um braço e precisou entrar em licença forçada por alguns meses. O dano material também foi grande, pois o carro antigo não tinha seguro. Isso sem contar o susto dos pedestres que se dirigiam a uma parada de ônibus próxima. “Uma manutenção não custa muito”, reclamou ela ao mano.
No fundo, salvo fatalidades verdadeiramente improváveis, ela percebeu que a grande maioria dos problemas sempre podem ser evitados se as pessoas não confiassem tanto na sorte. Por exemplo, no mês passado, Liete encontrou um ex-colega de escola nas páginas de polícia dos jornais. Lá estava ele, preso por furto e tentativa de homicídio. “Nós dois passamos as mesmas dificuldades para estudar. Só que ele optou pela rua. Estudar não estava com nada. Confiou demais na sorte, não fez o que devia e se deu mal”, filosofou.
Foi como um vaso que poderia receber flores, ornamentar a vida, mas despencou do parapeito. E juntar os cacos, sempre é o mais difícil. Uma vida mais responsável pode parecer chata, trabalhosa, Mas dá muito menos incomodação e nos torna cidadãos de fato.