Estávamos eu e mais dois em uma pastelaria da Cidade Baixa, em Porto Alegre. De repente, ela surge. Passos elegantes, sem traços anoréxicos ou a vulgaridade das “modelos” maria-chuteira, mulheres-melancia e outras frutas carnudas. Um gari chegou a parar de varrer a calçada para não levantar pó e, é claro, melhor admirá-la.
Cidadã responsável, ela procura a faixa de segurança para atravessar a rua movimentada. Está ali, a poucos metros de nós. Saia curta, blusa em estilo oriental a sustentar a leveza sexy de seu andar.
Cruza a porta por onde a observávamos, desajeitados. Pastéis nas mãos, a mastigar o ar tomado de um perfume suave e doce. Conhecem aquele olhar enviesado tipo Mona Lisa? Pois foi o que recebemos. Por breves segundos, é claro. Olhar sem arrogância, mas sabedor das consequências de tudo aquilo que um dia Vinícius de Moraes poetizou a uma certa garota de Ipanema.
Beleza que não é só nossa, mas quando passa “O mundo inteirinho se enche de graça e fica mais lindo…”. Em nosso respeitoso silêncio, agradecíamos o dom feminino de transformar um simples meio-fio de rua, poluído e sujo, em passarela. “É mulher para se guardar em uma redoma de cristal. Não deixar ninguém tocar”, exagerou o pasteleiro, impactado pela harmoniosa e sedutora beleza.
A marginalidade em guerra – gente matando a troco de centavos – e tantas outras mazelas brasileiras e eu aqui a divagar sobre o encanto feminino. Mas quando se vive em cidades onde determinados locais impera a lei marcial do tráfico, a serviço é claro, de milhares de consumidores, é preciso partir para a seguinte reflexão: enquanto muitos caem na ilusão da fortuna fácil do comércio das drogas, e milhares se deixam seduzir pelo vício, outros filtram a miséria humana e usufruem, sem culpas, da energia bonita que se esconde no cotidiano.
Valorizemos a capacidade de superação, de buscar nas esquinas onde o medo espreita, a beleza de gente comum como nós. E se for para roubar alguma coisa, que seja um olhar carregado de promessas que não precisam ser cumpridas. Basta que ajude a nos tornarmos menos rudes e sofridos. A vida, afinal, é isso.